sexta-feira, 15 de junho de 2007

Boletim 6: Panamá



Boletim 6: Panamá


Ciudad de Panamá, 18 de Março de 2007
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E segue a barca:
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De San José, rumei pro Panamá numa viagem de 17 horas, mas finalmente num ônibus direto e que não era escolar. Cheguei na fronteira às 5 da manhã depois de viajar por toda a madrugada e o escritório de migração só abre as 6 da manhã. Depois de tomar café da manhã num estabelecimento totalmente desqualificado, com posters gigantes do Mao Tsé Tung e com uma chinesa de quase 2 metros atendendo no balcão, entrei na fila pra carimbar a saída da Costa Rica. Depois atravessei a pé os poucos metros que separam os países e as aduanas e entrei na fila pra estampar a entrada no Panamá. A entrada no país estava cheia de mistérios, quando eu fui comprar a passagem ainda em San José não me disseram nada, mas como eu sempre pergunto, descobri que pra entrar no Panamá me exigiriam passagem de saída do país. Pra mim era impossível porque eu só saberia a forma que iria sair do Panamá quando eu chegasse na Cidade do Panamá. No entanto, tinha minha passagem de volta pro Brasil, mas é saindo da Venezuela, o que não serviria. A saída seria comprar uma passagem de volta pra Costa Rica ali mesmo na fronteira e não utilizá-la, mas pelo menos era uma passagem que comprovaria uma via de saída do Panamá.
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Antes de comprar a passagem que não me serviria pra nada, pois não iria voltar pra Costa Rica, resolvi tentar entrar no país dando uma de migué, torcendo pra não me pedirem nada, já que isso é sempre aleatório. Chegada minha vez na fila, entrego o passaporte, a ficha de entrada e o cara me diz: passagem de saída?
Num lindo Migué (agora com maiúscula), entreguei minha passagem Caracas - SP (detalhe que era o e-mail da reserva impresso, não era nem o bilhete aéreo). O cara olhou, olhou de novo, colocou de lado, baixou um pouquinho os óculos, forçou a vista, olhou pra minha cara e baixou o porrete do carimbo de entrada estampando meu passaporte, já tava dentro! O Panamá é nosso!!!!
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Ponte das Américas (sobre o canal do Panamá)
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Mas não bastava o carimbo, faltava a revista na bagagem e continuei no sistema de me camuflar entre os gringos. Esse sistema é uma espécie de mimetismo racial aduaneiro, e dá certo. Enquanto isso, os nicas e ticos são revirados até na meia do tênis, sacanagem.
Da fronteira até a capital foram mais algumas longas horas. A Cidade do Panamá é moderna, cosmopolita, cheia de prédios altíssimos com vidros espelhados, modelos de carros importados que eu nunca vi na vida, ou seja, é totalmente distinta dos outros lugares pelos quais já passei até aqui. Parece até uma Miami latina, se bem que Miami já está mais latina que outra coisa.
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Cidade do Panamá
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Cidade do Panamá
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Sem dúvida, toda essa diferença em relação aos outros países está ligada ao fato do país abrigar o canal, que ficou pronto em 1903, numa das mais difíceis obras de engenharia do mundo e até hoje de fundamental importância. Devido ao canal, o Panamá recebeu imigrantes de várias partes do mundo, que vieram trabalhar em sua construção e, assim, a cidade concentra várias culturas diferentes, além de ser um ponto mundial de confluência de pessoas e mercadorias.
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Eclusa de Miraflores - Canal do Panamá
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Os EUA tiveram posse sobre o canal desde 1903 até 1999, quando então finalmente o Panamá assumiu o controle, o que passou a gerar muito dinheiro, pois a média do valor que se paga para utilizar a estrutura do canal de um oceano ao outro é de 150 mil dólares por navio!!! sendo que o canal funciona 24 horas e sempre há navios passando (vai fazendo as contas....). Por isso essa explosão de riqueza e modernidade na capital em tão pouco tempo, sem falar na lavagem de dinheiro e o contrabando pesado que também ajudaram a levantar muitos destes prédios aqui.
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Navio porta-container no canal
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Eu fui até o canal e vi o funcionamento das eclusas, que é o sistema de comportas que igualam o nível das águas para os navios passarem. As comportas gigantes são originais de 1903 e um navio leva em média 8 horas para atravessar toda extensão e passar por todas as eclusas, porém, se fosse contornar o oceano lá pelo estreito de Magalhães demoraria dias, sem contar que o mar naquela região é bem complicado. Tendo isso em consideração, o pedágio de milhares de dólares e as 8 horinhas valem o cachê.
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Estudantes em Casco Viejo
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Praça França - Casco Viejo
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A melhor parte da cidade é o bairro antigo de Casco Viejo, que fica numa pequena península na saída da cidade de cara ao Pacífico. As construções antigas, que em sua maioria ainda abrigam famílias que perduram desde aquela época, possuem terraços onde ficam penduradas as roupas e onde os moradores passam a tarde conversando entre uma varanda e outra. Os demais prédios viraram embaixadas, ministérios e o palácio presidencial também fica ali. No entanto, este bairro antigo, não foi a primeira fixação colonizadora da cidade, mas sim em outro lugar, onde agora só sobram as ruínas do que se chama de Panamá Viejo. A cidade foi destruída pelo famoso pirata Henry Morgan, que saqueou e quebrou tudo por ali. Corre a fofoca histórica, que no momento do saque, Morgan ia roubar um grande altar de ouro maciço e o padre, que já previa o saque, pintou o altar de preto e disse a Morgan que este não era o original, mas sim uma réplica porque o primeiro já havia sido roubado num outro ataque de piratas. Morgan deu risada e teria dito ao padre: "não sei porque, mas acho que o senhor tem muito mais de pirata do que eu", e foi embora.
Malandro o padreco hein! depois ele deve ter jogado um thinnerzinho no altar pra tirar a tinta e deve ter vendido a relíquia.
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Casco Viejo
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Casco Viejo
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Casco Viejo
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A capital está no melhor estilo "sou novo rico, e daí?", e por isso se notam muitos contrastes, porque supostamente a grana que sai do canal e dos trambiques gerais nunca chegará a toda população. Por isso, passam executivos de gravata fechados em BMWs, que no lustro de suas pinturas metálicas, refletem a barba e a cabeleira suja dos desvalidos da rua.
O transporte urbano coletivo ainda é todo feito através dos ônibus escolares, sempre coloridões, cheios de enfeites e tocando salsa no talo! Os panamenhos estão sempre de bem com a vida, e nos ônibus tem sempre um negão lá atrás que puxa o refrão da salsa, e o condutor lá na frente faz a discotecagem, dirige, cobra e ainda rola uma manivela gigante pra abrir e fechar a porta do coletivo. Passagem a 0,25 balboas. Como pode valer tão pouco tamanha diversão?
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Catedral - Casco Viejo
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Casco Viejo
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Casco Viejo
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Outra coisa estranha aqui é a moeda, que se chama Balboa, mas é simplesmente dólar americano! Antigamente eles tinham essa moeda chamada Balboa, mas depois atrelaram paridade ao dólar e as notas de Balboa sumiram. O único que vale de Balboa são as moedinhas. Então, ao perguntar o preço de algo te dizem: 10 balboas, mas você dá 10 dólares.
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Museu de História do Panamá (esq.) e ruas de Casco Viejo (dir.)
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O Panamá é assim, maluco, alegre, rico, pobre, índio, negro, branco, mestiço, chinês, indiano, tcheco e americano...
Próximo boletim: Colômbia
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Casco Viejo
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3 irmãos panamenhos
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Até breve, saudações!
Márcio.-

Um comentário:

Kats disse...

Localização estratégica, esta característica geográfica, transformou este espaço outrora mais opaco em luminoso, por verdadeira estratégia espacial do capital. Henri Lefebvre tem razão... para se realizar o capital transforma a tudo, com seu toque de Midas, inclusive os espaços, os lugares e as pessoas nos e dos lugares. Nas terras da América Latina isto está escrito em sua (geo)grafia..., escrita a base de ferro, fogo e sangue. Temos que saber ler as paisagens. Dá-lhe Márcio.