sexta-feira, 15 de junho de 2007

Boletim 1: Cuba



Boletim 1: Cuba



La Habana, 11 de fevereiro de 2007
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Saudações a todos!
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Aqui começo, ainda que com bastante atraso, o primeiro boletim da viagem. Depois de muito tempo que já ensaiava ir a Cuba, finalmente cheguei à ilha no dia 01 de fevereiro. A vontade maior era de entender melhor como funcionam as coisas por lá e tirar minhas próprias conclusões. Um sistema complexo e fechado por já quase meio século não resulta fácil de se entender. Bom, o problema e que não sei se saí do país com mais ou com menos dúvidas do que quando cheguei, mas enfim, comecemos pela parte mais suave...
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Capitólio Nacional - La Habana
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Já na noite em que cheguei, fui até Habana Vieja, a parte histórica e mais antiga da cidade. Entrei num bar chamado "La Dichosa", é um que tem umas grades horizontais e logo me lembrei que esse lugar aparece num filme, mas não me lembro qual. Quem puder me ajudar a lembrar me diga porque me faço esta pergunta até agora (aos mais desavisados: não é no Buena Vista ok?). Bom, no boteco estava rolando um conjuntinho tradicional tocando salsa e son, legitimamente cubanos, por supuesto! Eu estava lá experimentando a cerveja do país, chama-se Bucanero (essa é a mais forte) e também tem a Cristal (mas suave). Tudo na paz quando em dado momento me entra no boteco um negão alto e magricelo todo vestido de branco e começa a requebrar sozinho, com muita vontade. No pequeno espaço livre que restava do bar, o cara se contorcia na salsa e começou a plantar umas bananeiras! meteu o pezão pra cima e foi que foi (detalhe: o espaço tinha no máximo um metro quadrado e ele fazia tudo isso passando a chanca 44 a poucos centímetros do meu nariz), aí começou a juntar gente do lado de fora, ele dançou mais uma música, depois virou as costas e saiu andando, sem dizer uma palavra, ou seja, o cara fez aquilo por puro prazer, e saiu satisfeito, todo leve.
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Memorial José Martí (esq.) e rua de La Habana (dir.)
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Nos dias que seguiram, deu pra notar que o país está dividido em dois mundos paralelos. O primeiro dos turistas, com preços cotados em divisa, lugares específicos para consumir produtos e serviços. O outro mundo dos cubanos, com moeda nacional de valor muito baixo, escassez de produtos e condições bastante difíceis. Como o intuito era conhecer a realidade do mundo cubano ao invés de enxergar tudo por detrás da vitrine turística, eu então me encaixei na vida local. Começando pelo fato de ter ficado na casa de amigos cubanos ao invés de hotéis e depois, mesmo que ilegalmente, trocando divisas por moeda nacional, para poder comer, me transportar e ir a lugares que os estrangeiros não poderiam ter acesso. A parte de Habana Vieja é a mais interessante da cidade, a arquitetura antiga, embora muito deteriorada, ainda resiste. O problema é algumas coisas estão despencando e era meio arriscado andar na calçada embaixo das sacadinhas das casas (e todas as construções tem sacadinhas), de vez em quando dá pra escutar um tijolaço despencando.
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Músicos em La Habana
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Em Habana Vieja as ruas são ocupadas pelos cadillacs dos anos 50, que ainda resistem porque os cubanos aprenderam a ser bons mecânicos, senão estariam todos a pé. Aliás, há muita semelhança com o Brasil neste aspecto, assim como temos nosso "jeitinho brasileiro", lá tem-se o "la manera cubana", onde tudo se improvisa, todo mundo se vira de alguma forma pra sair do aperto. Também pelas ruas do centro dá pra ver as crianças jogando baisebol com tacos improvisados (o baisebol é o esporte mais popular em Cuba) e os adultos jogam dominó trazendo as mesas das suas casas pra calçada. O que é difícil entender é como pode ser absolutamente tudo do Estado em Cuba, desde fábricas até uma padaria, um bar, as casas e até os carros são estatais, obviamente que o carro é de uma só pessoa, mas pertence ao Estado e só pode ser revendido a ele, o mesmo ocorre com as casas. Por isso, acontece muitas vezes de casais se separarem e mesmo assim continuarem dividindo a casa, e também moram famílias numerosas numa só casa. A propaganda estatal é bem forte, com cartazes e outdoors reverenciando a revolução de 59 até hoje, muitas imagens de Martí, Fidel, Che e Camilo também se espalham pelo país. Conversei com cubanos a favor e outros contra o sistema, mas notei que ambos conservam uma certa admiração por Fidel, mesmo que com restrições (no caso dos que estão contra), e sempre se referem a ele por "el tipo" (o cara), não tocando em seu nome nunca.
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Catedral de La Habana
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La vieja cubana
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Pra comer, também se improvisa, já que o que o Estado socializa gratuitamente, nunca é suficiente até o final do mês, e pra comprar o restante fica difícil, tendo em vista que a média salarial gira em torno de equivalentes 12 dólares mensais!!! aí entra a informalidade, são famosas as pizzas que se vendem na rua e também as comidas em caixinha. Almocei desta forma por várias vezes, comprando a caixinha, sentando na calçada e mandando ver enquanto passavam alguns cubanos olhando assustados vendo um estrangeiro devorando a caixinha. E a comida é boa! arroz, feijão, carne, batata doce e por aí vai. O problema é que a caixinha não aguenta e o óleo começa a encharcar o papelãozinho. Já no caso da pizza, ela vem dobrada e envolvida num pedaço de papel sulfite e o queijo começa a escorrer pelos cantos queimando os dedos.
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La Bodeguita del Médio (esq.) e La Floridita (dir.)
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Apesar de todas as dificuldades, o povo cubano tem acesso à educação e à saúde. Não vi ninguém dormindo na rua ou mendigos pedindo esmolas. O problema é que não adianta formar engenheiros e médicos pra depois ganhar 12 dólares por mês! Outro ponto positivo é a segurança. A ilha é muito segura e pelo que pude entender, isso ocorre porque o tráfico de drogas ainda não é pesado aqui, e também é difícil se conseguir uma arma. O fato de ser ilha ajuda muito, e ainda mais com controle intensificado. Por exemplo: não haveria como roubar um carro, primeiro porque o carro é do Estado e quando fosse revendê-lo saberiam quem era o verdadeiro dono e depois, por ser uma ilha, não tem um Paraguay ao lado pra mandar os carros roubados e fazer os rolos.
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La Habana
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O pôr do sol no Malecón (a avenida beira-mar de La Habana) é um espetáculo à parte. É também no Malecón onde se concentra o ponto de encontro de todos os cubanos, que sentam-se sossegadamente na mureta que dá pro mar. Fui também a Trinidad, que fica na província de Santu Spirictus. É uma cidade colonial, com heranças da época de glória da produção açucareira, é a parte "guajira", mais do campo. A cidade é muito bonita, rola muita música cubana nas escadarias ao lado da igrejinha do centrinho, onde turistas dividem espaço com cubanos em situação de rara democracia por lá. E depois do grupo de música, entram uns grupos afro-cubanos e rolam alguns rituais, aí o santo baixa e o negócio vira zona! nego pisa e deita em caco de vidro, quebra garrafa na cabeça passa fogo no corpo...
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Igreja de La Santísima Trinidad - Trinidad
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Falando em música, Cuba é o lugar! Por todos os cantos você se depara com alguém tocando algum instrumento ou cantando, da trova ao chá chá chá... tudo é música lá. Perto de Trinidad, fui até uma praia chamada Ancón, ao melhor estilo caribenho, com coqueiros, areia branca e mar azul claro. Passei só algumas horas por lá pra conhecer a praia, pois o ambiente é extremamente estrangeiro, com senhoras européias e canadenses sempre acima do peso desfilando suas varizes pela praia e refrescando seus traseiros nas águas cálidas e mansas do caribe cubano. Em questão de tabaco, aqui também é o lugar! Fui na fábrica da Partagás, que produz todas as marcas cubanas e pude ver todo o processo da fabricação dos charutos, e dá-lhe fumaça pro alto!
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Trinidad
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Enquanto estive em La Habana, também rolou a feira do livro, que é muito popular e percorre todas as províncias do país.Já no último dia, fui agraciado pela tremenda sorte de ver o Pablo Milanés ao vivo! Não era um show exatamente dele, e sim do argentino Pedro Aznar, no qual o Pablo estava como convidado especial. Fechei com chave de ouro maciço!!!Tem muitas outras coisas de Cuba pra contar, mas um boletim não suporta tanta coisa e, em se tratando de Cuba, nem num livro cabe tamanha complexidade.
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Praia Ancón
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Praia Ancón
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Pedro Aznar e Pablo Milanés - La Habana
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Até o próximo boletim.
Saudações!
Márcio.-

Um comentário:

Kats disse...

Bárbaro!! Gostinho de quero mais! Mais fotos, mais textos, mas esse talvez seja o tamanho ideal de um relato. As fotos: Memorial José Martí (dir.) e rua de La Habana (esq.) estão invertidas não?