sexta-feira, 15 de junho de 2007

Boletim 7: Colômbia



Boletim 6: Colômbia


Santa Fé de Bogotá, 31 de Março de 2007
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Falou em Colômbia pensou em...

narcotráfico, guerrilha, Farc, Cartel de Medellín, Cartel de Cáli, atentados, sequestros, o gangster latino Pablo Escobar, a cabeleira encantada do Walderrama, o goleiro acrobata Higuita, Shakira e Juanes.
Ok ok, o país tem todas estas atrações, mas vamos com calma! Quero mostrar o lado B da Colômbia neste boletim inédito, que será o penúltimo desta viagem.
A primeira dificuldade começou ainda antes de entrar no país. Isso porque não há ligação terrestre entre o Panamá e a Colômbia, ou seja, no final do istmo panamenho, que é conhecido como região de Darién, não há estradas que passem pras terras colombianas e toda essa região é dominada pela guerrilha. Então sobram 2 opções pra chegar: água ou ar. Minha idéia era tentar ir pelo mar e, ainda na Cidade do Panamá, decidi buscar um veleiro que fizesse a travessia até a Colômbia, porém, há poucos barcos fazendo este trajeto porque nesta época o mar fica muito agitado. Os próximos barcos sairiam em aproximadamente 15 dias e mesmo assim dependendo das condições do mar. Como eu não tenho parentes no Panamá pra me hospedar por tanto tempo, tentei ver outra opção através de navios de carga que eventualmente levam gente. Nesta opção, mais arriscada, eu teria que ir pro porto de Colón, do lado do Atlântico e esperar um cargueiro pra Colômbia, e isso poderia levar muitos dias. Fora o tempo de viagem, tem o fato de que alguns destes navios viajam carregados mesmo é de contrabando e drogas.
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Cartaz do 47° Festival de Cinema de Cartagena
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Sem terra, sem mar e sem vontade de ficar morando no Panamá, a solução era voar. Consegui uma avioneta bimotor (aquelas de hélice) que voaria pro interior da Colômbia, mas antes faria uma escala em Cartagena, perfeito!
A tremedeira e o barulho que o troço fazia na pista antes mesmo de decolar me fizeram pensar duas vezes, mas eu já estava dentro e foi que foi. Meus companheiros de vôo eram dois colombianos suspeitos levando caixas de papelão, um espanhol maluco e, pra completar o ambiente familiar, uma colombiana com mais caixas.
Em pouco mais de uma hora o aviãozinho estava pousando em Cartagena de Índias, já na Colômbia. Cheguei quase que simultaneamente ao Bill Gates. Não sei exatamente o que o bilhonário míope veio fazer na cidade, imagino que veio para doar uma parte de sua extensa fortuna em algum projeto, ou seja, veio fazer um social. A vinda deste senhor proporcionou um caos na cidade. Havia um esquema de segurança fortíssimo por toda parte, helicópteros e um monte de soldados armados até os dentes. Pelo menos eu aproveitei toda essa cobertura pra ir do aeroporto até a cidade.
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La Colombiana!
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Cartagena
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Cartagena é uma das cidades mais bonitas que eu já vi. O centro histórico está todo protegido por uma muralha que rodeia toda esta parte, por isso é conhecida como "la ciudad amurallada". Estou tentando angariar adjetivos pra definir Cartagena, mas acho que somente estando lá pra ter uma noção mais exata. O casario colonial é muito bem conservado, as casas têm grandes terraços de madeira e são pintadas em cores claras, nas esquinas as placas com os nomes das ruas escritos são de azulejo e uma grande torre com um relógio e um arco separam a entrada principal da parte interior da muralha. A sensação de volta no tempo fica muito presente quando se está na parte de dentro das muralhas, pois não é como em algumas outras cidades coloniais onde a arquitetura acaba se misturando um pouco, aqui o que está dentro da muralha é totalmente original, sem nenhuma influência moderna.
Os colombianos de lá são mais relaxados, o tom caribenho comanda o ritmo da cidade e o compasso da salsa e do vallenato é a única coisa que anda mais rápido.
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Igreja de San Pedro Claver - Cartagena
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Cartagena
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Cartagena
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Cartagena era um importante porto desde a época da conquista espanhola por onde escoava-se muito da riqueza da América em direção à Europa. Por isso, sempre foi alvo de ataques de piratas e de outros países europeus, mas a construção das muralhas fez com que estes ataques não tivessem o mesmo sucesso.
Aliás, Cartagena foi também a porta de entrada para o início da colonização do território da Colômbia. Anos mais tarde foi fundada Bogotá, que tornou-se o centro da colônia de Nova Granada, formada por Colômbia e partes dos territórios da Venezuela, Equador e Panamá. Após a independência, estes países viveram unificados sob o nome de Grã-Colômbia, e tinham Simón Bolívar como presidente. Em 1830 Bolívar é deposto e os territórios começam a se perfilar conforme a distribuição de países que existe atualmente.
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Ônibus (esq.) e partida de dominó entre nativos (dir.) - Cartagena
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Torre da Catedral de Cartagena
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Muralha cercando a cidade (esq.) e comércio de rua (dir.)
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Até então, a Colômbia era um país semelhante aos demais da região mas, na década de 60 entraria num abismo, onde permaneceria por muitos anos. Nesta década aconteceram vários conflitos civis e golpes de Estado, motivados por disputas políticas entre liberais e conservadores. À margem de tudo isso estava o Partido Comunista que, por estar excluído das disputas, forma um braço armado. Nascem aí as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Em reação aos atos de guerrilha pelas Farc, surgem os esquadrões paramilitares de extrema direita e a violência explode com muitos sequestros e atentados. Em busca de proteção, os narcotraficantes associam-se às Farc e passam a financiar a guerrilha, os cartéis se desenvolvem e Pablo Escobar vira uma celebridade do tráfico, tocando o terror na Colômbia. Nessa época, a guerrilha chegou a controlar 40% do território do país por muitos anos! Era praticamente outro país dentro da Colômbia!
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Exército na rua
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A partir dessa mesma década iniciam-se os processos de combate ao narcotráfico e a negociação de um processo de paz, mas mesmo assim a violência continuou forte e somente desde 2002 a situação veio melhorando pouco a pouco, quando o atual presidente reeleito Álvaro Uribe ganha seu primeiro mandato. Uribe foi rígido, mas ao mesmo tempo muito cauteloso ao conduzir todo o processo, e hoje o país encontra-se numa situação bem melhor. A guerrilha está numa região mais afastada das principais cidades, mas mesmo assim ainda há muitos focos de combate e uma grande quantidade de pessoas sequestradas pelas Farc.
Do jeito que a América do Sul anda mal em se tratando de governantes, acho que o Uribe é o presidente mais sério e pragmático, ao contrário dos seus colegas mais famosos como o alegórico e fanfarrão Hugo Chávez (aí vem ele no próximo boletim!)
Portanto, depois desta pequena trégua em que os colombianos estão podendo respirar um pouco, dá pra notar um povo simples e simpático, que apenas gostaria de viver num país mais tranquilo e não ter uma má fama tão grande no exterior e, de fato, se não fosse por todos esses problemas, a Colômbia poderia ter uma grande reputação, pelo seu povo e pelo seu país rico e diverso em cultura, natureza e história.
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Portal de Los Dulces - Cartagena
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Voltando ao roteiro, de Cartagena rumei pra Medellín, e na rodoviária descobri um belo migué colombiano na hora de comprar a passagem. É o seguinte: as empresas de ônibus têm seus guichês todos bem organizados, com atendentes credenciados e todos de gravatinha, aliás, os ônibus por aqui são até luxuosos, razoavelmente modernos, com banheiro e poltronas que reclinam quase inteiras. Uma mudança incrível para quem veio descendo 5 países da América Central em ônibus escolares e vans de cachorro quente. Mas vamos ao truque: você chega no guichê e humildemente pergunta o preço da passagem, o cara te responde e você já emenda um pedido de desconto que na hora o cara já rebate um preço menor, daí ainda tem mais duas choradas de margem pra negociar e no final dá pra sair quase pela metade do preço. Sem nenhum tipo de carteirinha mesmo, é tudo no papo.
Medellín fica num nível médio de altitude durante a subida dos Andes colombianos. A cidade fica num vale escorado por favelas, mas por outro lado possui uma série de bairros de classe média e também nobres. Todos os prédios são feitos de tijolinho aparente e têm uma arquitetura muito legal. As ruas são arborizadas e mesclam casas e prédios residenciais com pequenos comércios como boutiques, bares e restaurantes com mesas na calçada. Também há várias praças e um ótimo sistema de metrô. A parte central, mais movimentada e confusa, concentra os museus e a praça mais interessante da cidade, onde há várias esculturas do Botero em tamanho gigante. Aliás, Botero nasceu em Medellín.
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Escultura de Botero - Medellín
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Placa de Medellín (esq.) e prédio da Biblioteca Municipal (dir.)
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Escultura de Botero - Medellín
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Os habitantes do estado de Antióquia, onde se localiza a cidade de Medellín, são chamados de "paisas" e diferem bastante dos habitantes da costa, são mais claros e mais reservados.
Andando pelo bairro boêmio da cidade, onde estão concentrados os bares e restaurantes, inusitadamente dou de cara com 3 figurinhas em plena badalação na noite paisa: Aécio Neves, Sérgio Cabral e José Roberto Arruda. Pra quem não lembra deste último, é aquele careca que estraçalhou o sigilo do painel de votação do Senado junto com o ACM. Hoje ele é governador do DF.
Eles estavam em Medellín participando de encontros com políticos locais para aprender as técnicas de redução de violência urbana que foram usadas na Colômbia com sucesso. Mas eles também aproveitaram pra conferir o burburinho noturno colombiano, haha... e o whiskinho da balada estava por conta do contribuinte!
De Medellín subi um pouco mais os Andes até um tradicional povoado paisa, uma pequena cidadezinha colonial parada no tempo chamada Santa Fé de Antióquia. É o lado mais rural da Colômbia, com tiozinhos andando de chapéu nas ruazinhas de pedra e senhoras vendendo doces feitos de tamarindo e arequepe na praça da vila.
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Igreja do povoado de Santa Fé de Antióquia
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Casa colonial (esq.) e nativos na praça (dir.) - Sta. Fé de Antióquia
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Dalí rumei pra Bogotá, em mais uma longa viagem de ônibus. Todas as viagens pela Colômbia são demoradas pelo fato de as estradas acompanharem a subida dos Andes e também porque o exército faz um controle rígido no caminho. Aliás, nas rodoviárias por exemplo, é preciso passar por detectores e ser revistado antes de entrar. Foi possível ver a presença do exército em várias partes do país.
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Vendedora de doces típicos de Sta. Fé de Antióquia
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Chegada a Sta. Fé de Antióquia
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Bogotá é uma das melhores capitais sul-americanas, consegue ser cosmopolita preservando um ar provinciano, embora tenha 7 milhões de habitantes. O bairro histórico de "La Candelária", em pleno centro da cidade, com ruas estreitas e casas coloniais, parece um povoado distante de qualquer grande cidade. Ali há vários cinemas, teatros, museus, galerias, bibliotecas, centros culturais e cafés. Os museus mais importantes da região são o do Ouro, que mostra toda a trajetória de exploração aurífera na Colômbia, desde a época pré-colombiana como adorno para os grupos indígenas, até a exploração mercantilista pela Coroa Espanhola e o Museu Botero, com pinturas e esculturas do artista paisa.
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Catedral Metropolitana de Bogotá
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Capitólio Nacional - Bogotá
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É também em "La Candelária" que fica a sede dos poderes da república colombiana, os imponentes prédios do Senado e o Palácio Presidencial, com um esquema de segurança bem forte. As ruas ao seu redor são fechadas para o trânsito de carros e soldados armados de metralhadora rodeiam os prédios públicos. Os carros oficiais que chegam são revistados até com detector de explosivos que passam por baixo, além de abrirem capô e porta-malas. Fotos por ali nem pensar, quando eu tirei uma foto do Palácio fui reprimido por um estafeta que me fez apagar o humilde retrato.
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La Candelária - Bogotá
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Calle de Las Margaritas - La Candelária, Bogotá
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Um dos limites da cidade é o "Cerro Montserrat", uma montanha próxima ao centro onde se sobe num bondinho para avistar toda a cidade. Bogotá já está a 2.700 metros e no topo do Montserrat chega-se a 3 mil e cacetada. O clima meio nublado não ajuda mas também não estraga a ótima visão da cidade, e dá pra perceber que apesar de ser uma capital bem grande, há poucos prédios.
Depois de já estar no sétimo país da viagem, finalmente encontrei com outros brasileiros. Era um grande grupo de geógrafos que estavam lá por causa de um congresso na universidade. Estávamos todos no mesmo albergue e acabamos virando uma colônia por lá e eu fui praticamente adotado pelo grupo e recebi o título de geógrafo honorário. Agora que já estão recebendo os boletins, aproveito pra mandar saudações aos novos amigos e amigas!
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La Candelária - Bogotá
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Viajando pela Colômbia, durante estas duas semanas, vi um país que não merece ser posto de lado.
Um lugar que consegue reunir no mesmo território, um pouco de cada coisa de toda a América Latina: é um país caribenho, mas também andino e amazônico.
Vi também um exemplo de perseverança na vida dos colombianos, que estão lutando com muita firmeza para levantarem seu país, e além de estarem conseguindo, já estão dando exemplo pra outros países, inclusive ao nosso.
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Quadro de Botero - Museu Botero, Bogotá
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Saudações!
Márcio.-

Um comentário:

Kats disse...

Um geógrafo honorário precisa usar mapas! hahaha! A diversidade colombiana está ligada fortemente às suas características paisagísticas, como Márcio salientou. Em um mapa veriam que existe uma lógica locacional para o fato de as paisagens serem diversificadas. Aliás, uma das mais diversas na América do Sul. A chave para a compreensão: características fisico-territoriais que não passaram desapercebidas pelos europeus (conhecer o território é ter poder sobre ele e as pessoas que nele habitam). As paisagens transformam-se nos sentidos: sul (Amazônica), leste = planícies orientais, oeste = área de cordilheiras (Ocidental = mais baixa, Central = alta e vulcânica e Oriental = mais extensa, cortando o oeste do país de norte a sul). Qual a importância disso? Presença de ouro em função da formação geológica, o que atraiu mais ainda a cobiça européia,localização privilegiada para tornar-se base naval e comercial do império de Espanha na América. Estes são práticos inertes que influenciam nas apropriações humanas dos espaços. Trocando em miúdos: são estruturas inertes que, a despeito disso, influenciam, dependendo do nível de desenvolvimento tecnológico, na forma como os seres humanos se apropriarão das paisagens e, inclusive, de outros seres humanos. Saudações geográficas.