Boletim 4: Perú (parte II)
Lima, 27 de novembro de 2005
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Deixei a cidade de Cuenca, no Equador, ainda bem cedo pois teria uma viagem longa e que não seria direta até Mancora, na costa peruana. Segui a primeira etapa de Cuenca a Machala, onde tive que esperar 4 horas pra pegar o próximo ônibus que atravessasse a fronteira. Machala é suja e completamente desorganizada e por sorte eu poderia sair dalí em poucas horas, não tendo que pernoitar naquela bagunça.
Parti de Machala no início da tarde e algum tempo depois passei pela aduana na cidade fronteriça de Huaquillas para carimbar o passaporte. Esta cidade é simplesmente o caos, um formigueiro de vendedores ambulantes que querem te empurrar de tudo. A região de fronteira ainda é um pouco militarizada por causa dos antigos conflitos territoriais deste ponto entre Equador e Perú.
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Estrada Panamericana - Deserto da Costa
Estrada Panamericana - Deserto da Costa
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Os postos de aduana nestes lugares perdidos no meio do nada sempre são um caso à parte. Os policiais da imigração são do tipo "sou o xerife e comigo ninguém pode", esticam o pezão sobre as mesas e umidecem seus bigodes finos em abruptas entornadas de café morno, de garrafa térmica.
Na fila, entre olhares dos nativos com a silenciosa pergunta "de onde vem esse aí", eu sempre me pergunto qual será a reação do oficial ao se deparar com um brasileiro carregando uma mochila entre a fronteira sul do Equador e norte do Perú, longe dos grupos turísticos que chegam em Lima, trocam de avião e desembarcam em Cuzco para conhecer Macchu Pichu nos pacotes do tipo "Las maravillas Incas en 4 dias".
Quando a fila se acaba e não há mais ninguém entre você e a mesa cheia de lascas de madeira se soltando, é inevitável deparar-se com a cara de estranheza do oficial, sendo que as últimas 3.756 pessoas que ele carimbou o passaporte eram equatorianos ou peruanos levando sacolas pra lá e pra cá. Ele não resiste e tenta relembrar a listinha de perguntas que deveria fazer a um estrangeiro e, talvez por não conseguir forçar tanto a memória, depois de perguntinhas básicas, estampou logo o passaporte.
Segui viagem pela estrada Panamericana, entre o Oceano Pacífico e o Deserto da Costa, numa tarde de sol que caía, até meu próximo destino.
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Estrada Panamericana - Deserto da Costa
Estrada Panamericana - Deserto da Costa
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Restaurante na estrada
Restaurante na estrada
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Mancora
Mancora
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Mancora é uma praia muito boa na costa norte do Perú. É um povoado minúsculo onde depois de alguns metros pra trás da praia você se depara com o Deserto da Costa. São famosos por lá os serviços de moto-táxi, que são motos adaptadas que viram triciclos com 2 lugares atrás para levar passageiros. Por poucos soles fiquei num albergue de frente pra praia e no dia seguinte aluguei uma prancha para surfar. O fundo de pedra garante uma formação boa das ondas dalí.
Mancora foi apenas uma parada estratégica, para um dia de surf e tranquilidade antes de seguir explorando a costa norte, sendo que as próximas paradas não seriam pra contemplar praias.
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Mancora
Mancora
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Mancora
Mancora
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Mancora
Mancora
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Mancora
Mancora
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Próxima parada: Chiclayo. Esta cidade é a base para conhecer alguns sítios arqueológicos ao seu redor, sendo o mais importante o sítio Tumbas del Señor Sipán. São grandes pirâmides construídas em adobe pela Cultura pré-inca Moche, nas quais foram encontradas as tumbas do que acredita-se ser o antigo imperador deste povo. Dá pra ver as tumbas, as múmias e todos os adornos que as acompanhavam nos locais funerários. Ainda é possível avistar as elevações das pirâmides, embora estejam quase totalmente desfiguradas pela ação do tempo.
A cultura Moche, que habitava esta zona desértica do norte do Perú, desenvolveu um sofisticado sistema de irrigação artificial, desviando as águas dos rios que baixavam dos Andes através da construção de canais. Esse fato permitiu o desenvolvimento da agricultura nestas terras desérticas. Devido à proximidade do mar, praticavam a pesca, outra base de seu sustento. Também dominavam os processos de fabricação de ornamentos, armas e ferramentas feitas de metais, principalmente o cobre.
Em Chiclayo comecei a me sentir mal, com dores de cabeça e enjôos. Tive que ficar recolhido por um dia inteiro antes de seguir viagem.
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Tumbas del Señor Sipán
Tumbas del Señor Sipán
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Tumbas del Señor Sipán
Tumbas del Señor Sipán
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Tumbas del Señor Sipán
Tumbas del Señor Sipán
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Recuperado, já estava de volta à estrada Panamericana, rumo à próxima parada, Trujillo. A opção de hospedagem na cidade foi a casa de uma família peruana que aluga o quarto dos fundos. Num lugar como este é mais fácil entrar em contato com o modo de vida dos locais.
Trujillo tem uma arquitetura colonial um pouco diferente das demais cidades. São casas coloridas com janelas que têm as extremidades em formato pontiagudo devido à influência moura trazida pelos colonizadores espanhóis. A Praça de Armas tem ruas larguíssimas e está repleta destas construções, todas muito bem preservadas. Para entender melhor a história pré-colombiana da região, há o Museu de Arqueologia, Antropologia e História da Universidade Nacional.
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Catedral de Trujillo
Catedral de Trujillo
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Plaza de Armas - Trujillo
Plaza de Armas - Trujillo
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Aspecto colonial de Trujillo
Aspecto colonial de Trujillo
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Mas o motivo maior de estar por essas bandas é a proximidade à cidade de barro de Chan Chan (5 km de Trujillo). São ruínas de uma cidade construída inteiramente de barro no século 13 d.c. pela cultura Chimu, também pré-inca. É um complexo formado por 15 cidadelas com estruturas divididas em áreas residenciais, áreas religiosas, diversos corredores, tumbas e praças. Caminhando pelo interior das cidades, tem-se a impressão de estar num labirinto.
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Chan Chan
Chan Chan
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Chan Chan
Chan Chan
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Chan Chan
Chan Chan
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Chan Chan
Chan Chan
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Chan Chan
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Também perto de Trujillo está Huanchaco, praia onde os nativos conservam um costume de mais de 3 mil anos. Constroem uma espécie de caiaque chamado caballitos de totora, e o utilizam para pescar e depois voltar pra beira da praia trazidos pelas ondas.
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Caballitos de totora em Huanchaco
Caballitos de totora em Huanchaco
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Pescadores nos caballitos
Pescadores nos caballitos
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Hyppie Maravilha
Hyppie Maravilha
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De Trujillo uma puxada longa pra visitar a última cidade da viagem, Lima. A capital do Perú tem mais de 8 milhões de habitantes e localiza-se na costa, junto ao Pacífico, numa região árida. Chama a atenção a geografia da faixa costeira, que abruptamente se desnivela num enorme barranco, separando a cidade da margem do mar por uma enorme escarpa.
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Lima
Lima
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Lima
Lima
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Lima tem um centro histórico bem conservado com praças enormes, as principais são a Plaza de Armas, que concentra os poderes, e a Praça San Martín, com antigas construções. Alguns bairros mais modernos como Miraflores, o mais rico e sofisticado; Barranco, o tradicional boêmio e San Isidro, o mais comercial. A cidade possui largas avenidas, o que não soluciona exatamente o problema do trânsito, principalmente na região mais central. Embora os limeños achem o trânsito caótico, numa comparação com a hora de pico paulistana, Lima fica no chinelo (melhor pra eles). Mas eles realmente levam a taça quando o quesito é táxi: o enxame de taxistas buzinando pra disputar passageiros é algo fora do normal. Qualquer pessoa andando na calçada é interpretada como um potencial passageiro na concepção deles, e assim buzinam frenéticamente oferecendo uma corrida. Também há muitas vans que fazem o transporte equivalente às nossas "lotações", com o cobrador pendurado na porta, berrando o destino.
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Palácio de Governo - Lima
Palácio de Governo - Lima
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Aspecto colonial do centro de Lima
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Sede da prefeitura de Lima
Sede da prefeitura de Lima
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Plaza San Martín
Plaza San Martín
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Plaza San Martín
Plaza San Martín
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Centro de Lima
Centro de Lima
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Troca de guarda do Palácio de Governo
Troca de guarda do Palácio de Governo
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Troca de guarda
Troca de guarda
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Catedral de Lima
Catedral de Lima
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Aqui em Lima, é visita obrigatória o Museo de La Nación, que mostra uma coleção enorme de peças arqueológicas pré-colombianas de todas as regiões do país. É bom pra fazer uma recaptulação geral das antigas civilizações que habitaram o Perú.
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Representações de culturas pré-incas no Museu de La Nación
Representações de culturas pré-incas no Museu de La Nación
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Lima é a terra de Chabuca Granda, la gran limeña! Esta cantora e compositora, morta em 1983, ainda é a cara da cidade, por tê-la cantado em várias de suas músicas, nas quais há muitas referências à Lima senhorial do início do século XX. Autora de "La Flor de la Canela", "Fina Estampa" e "José Antonio", verdadeiros hinos no Perú, compunha músicas em estilo criollo: coplas, landós, tonderos e valsas. Em Lima pode-se ter uma melhor noção da variedade musical do país, que vai além da música andina. Ademais da música criolla, existem os ritmos afro-peruanos, com bastante percussão, e também alguns trabalhos mais recentes de misturas de música andina e afro-peruana com eletrônico (mais cds na bagagem).
O contraste da culinária da região de Lima e do litoral com relação aos Andes também é forte. Pratos à base de frutos do mar são os mais famosos por aqui, o principal deles é o Ceviche, uma variedade de peixes e frutos do mar quase crus, preparados no limão com acompanhamento de milho e alguns molhos. Um pouco picante, mas muito bom.
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Entardecer em Barranco - Lima
Entardecer em Barranco - Lima
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Igrejinha de Barranco
Igrejinha de Barranco
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Puente de los Suspiros - Barranco
Puente de los Suspiros - Barranco
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Estátua de Chabuca Granda - Barranco
Estátua de Chabuca Granda - Barranco
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Barranco
Barranco
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Anteontem tirei o dia pra fazer um bate-volta até Paracas, onde estão as Islas Ballestras, são ilhas de formação rochosa que originaram vários arcos. De Lima são 4 horas até Paracas, pegando o sentido sul da Panamericana. Durante o trajeto, passa-se na cidade de Chincha, um reduto de negros, local onde estão mais vivas as tradições afro-peruanas, principalmente nas músicas e no folclore.
Nas ilhas há uma fauna variada e protegida, são lobos marinhos, peixes e uma infinidade de espécie de aves que habitam o lugar. A cor do mar é um verde bem forte e os arcos de pedra completam a paisagem.
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Arco rochoso nas Islas Ballestras
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Arco rochoso
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Lobos marinhos
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Arco rochoso
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Arcos rochosos
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Termino aqui esta viagem, mesmo sabendo que ainda falta muito pra conhecer destes países. O Perú é um país que guarda riquezas incalculáveis, todos os vestígios das civilizações pré-colombianas estão evidentes e, por qualquer lugar que se ande, sempre se esbarra com alguma relíquia arqueológica, neste país que pode ser considerado um sítio arqueológico a céu aberto. Mas não é só do passado que vive o Perú, o clima cosmopolita de Lima e sua intensa vida cultural são o contraponto ao passado guardado nas montanhas e na costa litorânea. Aliás, é lá no alto das montanhas que temos contato com a cultura andina, tão peculiar a todos os países que passei. Ali a história é contada nas ruas, através da observação dos nativos, seus hábitos e costumes, sem dúvida, um grande aprendizado que se leva para a vida toda.
A Bolívia, o Equador e o Perú são lugares impossíveis de serem esgotados numa só viagem. Eles abrigam culturas milenares, ruínas, salares, vulcões, cidades coloniais, praias, desertos, a cordilheira dos Andes, o lago Titikaka e, tudo isso, através de um povo afetuoso e acolhedor. No entanto, são lugares sobre os quais temos pouca informação, mas que sempre estiveram aqui ao nosso lado esperando que se bata em suas portas e lhes diga: Bom dia! ou Buenos días! Certamente, o que se ouvirá do outro lado será um sincero: Bienvenido, amigo!
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Saudações a todos!
Até a próxima,
Márcio.-
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