Boletim 2: Perú (parte I)
Cuzco, 03 de novembro de 2005
***
A viagem entre Copacabana, na Bolívia, e Puno, no Perú, margeia uma boa parte do lago Titikaka, que é dividido entre os dois países. Tudo isso a quase 4 mil metros de altitude.
Depois de cruzar o posto da aduana, carimbar o passaporte e trocar os últimos bolivianos por soles, segui viagem até a cidade de Puno, que também fica às margens do lago. Esta região foi habitada primeiramente por povos da cultura Pukara, posteriormente pelo império Tiahuanaco e mais tarde ocupada pelos Incas. Já a cidade, foi fundada pelos espanhóis em 1668.
***
Catedral de la Vingen de La Candelária - Puno
***
Moto-táxi em Puno
***
Cerveza Cusqueña
Cerveza Cusqueña
***
A cidade em si não tem nada muito interessante, mas serve de base para conhecer as Islas Flotantes de Urus, no lago Titikaka. São comunidades descendentes dos antigos povos de Urus que vivem isoladas em ilhas artificiais flutuantes que eles mesmos constroem com o caule de uma planta chamada totora (uma espécie de junco). Também fabricam barcos com esta planta e até podem comê-la. Eu experimentei e parece um isopor, não é ruim não! (tinha gringo cuspindo discretamente depois de experimentar, gosto é gosto!), e se tivesse um salzinho dava pra garantir o almoço na ilha.
Os habitantes destas ilhas ainda preservam meios de vida milenares, vivendo de maneira rudimentar, embora muitos mantenham contato com o continente devido à atual facilidade de transporte (chega-se nas ilhas em 30 min. de barco). Há inclusive uma engraçada cabine-oca de telefone público em uma das ilhas, agora só falta internet. É muito colorido e bem feito o artesanato, assim como o capricho das roupas, da construção das ocas, das embarcações e da própria ilha.
***
Ilhas de Urus
***
Ilhas de Urus
***
Embarcação de totora
***
Trituração do milho
***
Menina nativa
***
Oca telefônica de Urus
***
O Perú é o país andino que abriga o maior legado de culturas pré-colombianas e, por volta de 3 mil a.C., a região já era habitada. Divididas por escalas de tempo de apogeu e territoriais, várias civilizações se desenvolveram ali como a Chavín (norte); Paracas, Mochica, Chimu e Nazca (litoral); Tiahuanaco (região do lago Titikaka) e posteriormente a hegemonia do grande Império Inca sobre grande parte do território, estendendo-se ainda para partes do Equador, Bolívia e Chile.
Séculos mais tarde, com a chegada dos espanhóis liderados pelo conquistador Francisco Pizarro, começa um período de extermínio e escravização sobre os incas e, mesmo com a força das armas de fogo e as epidemias trazidas da Europa, foram necessários mais de 40 anos para domínio total dos espanhóis na região, devido à força de organização e à resistência dos incas, muito numerosos no Perú.
Em 1824 o país torna-se independente após várias batalhas contra os espanhóis, lideradas por Bolívar, Sucre e San Martín. Nos anos seguintes se envolve em conflitos territoriais com o Equador e o Chile.
Embora os massacres das épocas coloniais tenham sido praticados em larga escala, ainda hoje a maioria da população peruana é de origem indígena (45%), seguidos de mestiços (37%), brancos (15%), negros e asiáticos (3%). A economia do Perú baseia-se na pesca e, principalmente, desde os tempos coloniais, na mineração.
***
Nativos das ilhas de Urus
Nativos das ilhas de Urus
***
Embarcação de totora
Embarcação de totora
***
Lago Titikaka
***
Entre 1962 e 1980 o país viveu sob uma série de golpes militares e muita instabilidade. Já nos anos 80, de volta à democracia, mas sob fortes crises econômicas e problemas sociais, os governos de Belaúnde Terry e Alán García foram incapazes de gerar resultados imediatos, o que desencadeou ataques terroristas do grupo maoísta Sendero Luminoso, que estava ligado ao narcotráfico.
Os anos 90 são marcados por Alberto Fujimori, inicialmente eleito democraticamente, mas que, após um período de governo, fechou o congresso e suspendeu as garantias constitucionais. Foram anos marcados por mais recessão e instabilidade, até que um escândalo de corrupção causa sua queda do poder e posterior exílio no Japão.
Em 2001, as eleições são vencidas pelo primeiro presidente de origem indígena, Alejandro Toledo mas, mesmo assim, a falta de apoio político e os contínuos protestos e greves parecem demostrar que não houve sucesso na retomada política do país.
***
Oca em Urus
Oca em Urus
***
Nativo em Urus
Nativo em Urus
***
De Puno peguei o trem pra Cuzco, viagem longa de 10 horas mas muito boa, atravessando os vales que recortam a cordilheira.
Cuzco, ou Qosqo (no idioma quéchua), capital do antigo Império Inca, é uma das cidades mais ricas em história, cultura e arqueologia na América Latina. Cada ruela da cidade esconde algum fato histórico e os peruanos nativos, descendentes dos incas, completam o clima do local.
***
Trem para Cuzco
Trem para Cuzco
***
Trem pelos vales da cordilheira dos Andes
Trem pelos vales da cordilheira dos Andes
***
Nativa
Nativa
***
Vale
Vale
***
Bom, agora estou praticamente residindo em Cuzco, estou no sexto dia. Aqui o negócio desanda! Tem muita coisa pra ver, museus, ruínas, templos, povoados, mercados, arquitetura inca e colonial. Aqui tem de tudo: hyppies, índios, vadios (as), gringos de todos os cantos, músicos, poetas, pedintes, pintores, escultores, mochileiros, malabaristas, bares, baladinhas e afins. Todo mundo se espremendo nas ruazinhas estreitas e as calçadas, quando existem, cabe só uma pessoa e quando vem um carro e uma pessoa do lado contrário fica tudo embolado. Em compensação, a Praça de Armas é enorme e tem ruas bem largas. Esta praça é espetacular, nem vou tentar descrever. As construções espanholas foram feitas sobre as ruínas que sobraram da época inca, por isso as bases das casas são de pedras enormes que se encaixam perfeitamente. Os Incas fizeram Poli, não é possível!
No geral, a meninada aqui é mais atirada que na Bolívia sabe, as baladinhas comem soltas numa mistura de salsa, merengue e som internacional. Eles têm bastante influência de música caribenha e mexicana. Os ambientes são misturados, na mesma pista dá pra ver cusqueños, peruanos de outras partes, gringos branquelos de 2 metros e os indefectíveis israelenses querendo quebrar tudo após ficarem 3 anos servindo exército no seu país. Aliás, estes seres pegajosos e barulhentos merecem um boletim especial (leitores judaicos: não é nada pessoal!). No hostel de Puno tinha um querendo quebrar o quarto e foi preciso 3 peruanos pra sossegar o menino hebraico.
***
Torre da Catedral de Cuzco
Torre da Catedral de Cuzco
***
Igreja La Compañia de Jesús - Cuzco
Igreja La Compañia de Jesús - Cuzco
***
Cuzco
Cuzco
***
Base inca das construções
Base inca das construções
***
Ruas estreitas de Cuzco
Ruas estreitas de Cuzco
***
Base inca de uma construção em Cuzco com encaixe
perfeito de pedras (ao centro: pedra dos 12 ângulos)
perfeito de pedras (ao centro: pedra dos 12 ângulos)
***
La Catedral - Cuzco
La Catedral - Cuzco
***
Plaza de Armas de Cuzco
Plaza de Armas de Cuzco
***
No domingo fui conhecer o Valle Sagrado de los Incas, formado por vários povoados que se estendem pelo vale do rio Urubamba. Comecei pelo povoado de Pisaq, que justamente no domingo concentra um tradicional mercado indígena onde os habitantes dos povoados próximos se encontram para comprar, vender e trocar mercadorias como frutas, verduras, legumes, carnes, tecidos e etc. Dá pra ver alguns indígenas negociando no idioma quéchua. Ali também é um bom lugar para se comprar toda sorte de quinquilharias artesanais, com o tradicional capricho indígena nos vários tipos de pinturas, esculturas em pedra e cerâmica, tecidos e roupas.
Ainda em Pisaq, as empanadas de queijo com cebola feitas nos fornos de barro garantem o lanchinho do meio da manhã. Por poucos soles, você enche um sacão de empanadas e vai comendo, comendo...
***
Mercado de Pisaq
Mercado de Pisaq
***
Ruas de Pisaq
Ruas de Pisaq
***
Almuerzo
Almuerzo
***
Depois segui até o povoado de Urubamba, aos pés das montanhas de picos nevados Chicón e Pumahuanca. Indígenas e mestiços transitam pelas ruas de pedra na calma vila. Na sequência, segui para o povoado de Ollantaytambo, que abriga na encosta da montanha pela qual é rodeado, a grande Fortaleza Inca de Ollamtaytambo que era um complexo agrícola, social, religioso e, principalmente, militar. Ao subir pelas encostas da fortaleza, pode-se avistar o vale e o povoado.
Terminei o dia no vilarejo de Chincheros, também rodeado pelas montanhas, onde nota-se melhor a mescla com influências hispânicas, principalmente pelas contruções e pela igrejinha construída sobre um templo inca.
***
Povoado de Urubamba
***
Fortaleza de Ollantaytambo
***
Povoado de Ollantaytambo
***
Portal na Fortaleza
***
Picos nevados
***
Finalizo este boletim com a difícil tentativa de descrever Macchu Pichu. Ainda antes do amanhecer fui até a estação de trem de Cuzco. A viagem segue pelas margens do rio Urubamba até a estação final, na pequena cidade de Aguas Calientes, que fica aos pés da montanha onde está a cidade perdida. Daí segue-se de ônibus pela encosta numa estrada de terra.
No idioma quéchua, Macchu Pichu significa "montanha velha" e durante muitos anos o local permaneceu isolado, sem que ninguém soubesse de sua existência, até que em 1911 o historiador americano Hiram Bingham encontra a cidade perdida dos incas. As ruínas estavam totalmente cobertas pela vegetação que, durante todos esses anos de abandono, pôde crescer entre os espaços do local. Depois de retirada a vegetação, viu-se que a cidade estava tão preservada que seria injusto chamá-la de ruínas. Isto certamente pelo fato de os espanhóis nunca terem tomado conhecimento da existência do local que, talvez por motivos estratégicos, fica justamente no cume de uma alta montanha, o que dificultava o acesso.
***
Trem para Macchu Pichu
Trem para Macchu Pichu
***
Trem para Macchu Pichu
Trem para Macchu Pichu
***
Chegando na cidadela, quando você ainda está vendo de longe, parece um cenário fabricado (no mais alto padrão Projac de acabamento), mas chegando perto é um negócio impressionante, tudo dividido perfeitamente: setor religioso, setor de moradias, setor agrícola em terraços, relógios e calendários solares, redes e canais de água, tudo encaixado perfeitamente em cima de uma montanha. Neste primeiro contato, costuma-se ver inúmeros japoneses radiantes e excitados, disputando cada espaço com suas minúsculas câmeras fotográficas e filmadoras, como se só tivessem 5 minutos para estar ali. Por isso, para fotografar com calma é sempre preciso esperar alguns orientais terminarem seus empolgados registros e liberarem espaço.
As pedras foram talhadas minuciosamente e são todas lisas. Pra ter uma idéia da precisão de encaixe, nem precisava de algo equivalente ao cimento para unir os blocos de pedra. A engenharia inca era realmente avançada, pois mantém até hoje inúmeras construções quase intactas numa área onde terremotos são comuns. O acesso às diversas áreas da cidadela são providas de escadas e corredores inteligentemente construídos.
***
Macchu Pichu
Macchu Pichu
***
Llama
Llama
***
Macchu Pichu
Macchu Pichu
***
Macchu Pichu
Macchu Pichu
***
Como se sabe, além de habilidosos engenheiros, eram avançados em diversas outras áreas como na agricultura, praticada nos famosos terraços que evitavam erosão e ainda criavam, conforme a altura do terraço, micro-climas propícios para cada tipo de alimento cultivado; na tecelagem, para abrigarem-se nas zonas montanhosas frias; na cerâmica, criando utensílios diversos e na astronomia, através do estudo dos astros podiam identificar os solstícios e equinócios, estabelecer o calendário solar e também auxiliar o plantio agrícola.
***
Macchu Pichu
Macchu Pichu
***
Macchu Pichu
Macchu Pichu
***
Terraços agrícolas
Terraços agrícolas
***
Macchu Pichu
Macchu Pichu
***
Macchu Pichu
Macchu Pichu
***
Macchu Pichu
Macchu Pichu
***
Bom, vou ficando por aqui, aguardem o terceiro boletim com notícias frescas do Equador, estou rumando pra Quito amanhã. Depois de conhecer o Equador volto ao Perú descendo a costa norte e terminando a viagem em Lima, onde farei outro boletim peruano.
***
Firme e forte, até a volta.
Abraço a todos!
Márcio.-
Nenhum comentário:
Postar um comentário