Boletim 3: Equador
Cuenca, 15 de novembro de 2005
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O que vocês sabem sobre o Equador? Eu também não sabia quase nada, mas nestes dias deu pra me familiarizar mais com este minúsculo país dividido entre o Pacífico, a cordilheira dos Andes e a Amazônia. A primeira parada foi na capital Quito, fiquei alojado num bairro chamado La Mariscal, entre o centro e a zona norte. Apesar de ter me informado antes que este era um dos bairros mais seguros, na minha rua e bem em frente ao hostel concentrava-se um pequeno "shopping de narcóticos, entorpecentes e afins", ou seja, uma bocada! Você saía na rua e só faltava te apresentarem o cardápio. Fora que a casa do lado era lotada de imigrantes africanos que organizavam umas festinhas e berravam até de manhã. A vizinhança era bem "amigável", imaginem nos outros bairros.
Apesar disso, o bairro é cortado por uma larga avenida para pedestres, repleta de livrarias, cafés, bares e lojas de artesanato, que desemboca no parque El Ejido.
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Entrada do parque El Ejido
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Quito, junto com Cracóvia, foi a primeira cidade do mundo a ser reconhecida como patrimônio da humanidade e realmente merece o título pois o centro histórico tem uma arquitetura colonial muito bem preservada, vários museus, parques e igrejas. Situa-se num grande vale rodeado pela serra equatoriana bastante verde, o que torna a cidade muito agradável. Também concilia muito bem sua parte histórica e moderna, revelando uma capital bem diversificada e atrativa, apesar da desoladora pobreza sempre encontrada em qualquer centro urbano latino-americano. Os museus mais interessantes são o Museo Casa de Sucre, onde morava Antonio José de Sucre, um dos responsáveis pela independência do Equador, abrigando móveis e objetos pessoais; o Museo Nacional del Banco Central e Casa de La Cultura Ecuatoriana, mostram arqueologia, arte contemporânea, ouro, moedas antigas, colonialismo e república.
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Vista de Quito (parte moderna)
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Palácio de Governo
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Plaza de la Independencia
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Vista de Quito (parte histórica)
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Aspecto colonial de Quito
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Bem perto de Quito tem uma cidade fictícia chamada Mitad del Mundo que foi construída bem no centro da linha imaginária do Equador. Lá tem um monumento indicando os pontos cardeais e uma faixa pintada no chão dividindo os dois hemisférios, daí você pode ficar que nem besta mudando de hemisfério com apenas um passo, ou então tirar uma foto com um pé em cada metade. Dentro deste monumento está o Museo Etnográfico, que ilustra todos os grupos étnicos do país.
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Monumento dividindo os hemisférios
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Equatorianas
Equatorianas
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As primeiras civilizações que habitaram a região do Equador foram os Caras, que viviam na costa, e os Quitus, que habitavam a parte central. Na metade do século XV esses povos foram dominados pelos Incas, até que estes foram dominados pelos espanhóis. Atualmente, cerca de 40% da população é de origem indígena, outros 40% são mestiços, 15% são brancos e 5% negros. Em 1822, Antonio José de Sucre, enviado de Simón Bolívar, derrota os espanhóis e proclama a independência do Equador, unindo-se à Grã-Colômbia (Venezuela - Colômbia - Panamá - Equador). Alguns anos depois ocorre uma luta separatista na qual o Equador consegue sua soberania. A partir de então seguem-se vários governos militares golpistas e conflitos territoriais com o Perú e nos anos 70 o país alcança um razoável nível de desenvolvimento através de grande exploração e exportação de petróleo pelo oleoduto transandino que ligava os campos petrolíferos do leste ao porto de Esmeraldas, no Pacífico. Porém, este período termina ao final daquela década com o grande choque do petróleo em 1979 e, assim, o país entra na década de 80 com alta inflação, alto endividamento externo e desemprego. Como se não bastasse, em 1987 um terremoto ainda destruiria o oleoduto, obrigando um forte racionamento e a suspensão das exportações. Desde então, uma série de governos desastrosos não conseguiram conter a crise e a insatisfação popular. No início do ano 2000, sob forte crise econômica e desvalorização cambial, o país dolariza a economia e até hoje a moeda que circula é o dólar norte-americano.
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Mulheres indígenas
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Catedral de Quito
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Voltando ao roteiro de viagem, ainda em Quito, fui atrás de música equatoriana e descobri dois estilos característicos, o pasillo e o albazo, que são como misturas de ritmos indígenas com influência de música hispânica que dá uma boa combinação. São ritmos bem marcados, com divisão marchada, acompanhados por violões, marimba, percussão e metais. Há também outros ritmos como pasacalle e tonada que diferem muito pouco dos dois anteriores. O maior compositor equatoriano, criador de vários temas tradicionais, foi Julio Jaramillo e talvez atualmente o maior nome seja Maragarita Laso, importante intérprete.
No entanto, esses ritmos ninguém mais escuta com frequência por aqui porque são antigos. O problema é que a ondinha musical aqui é um ritmo importado de Puerto Rico chamado "reggaeton", uma mistura escatológica de salsa, cumbia e hip hop no melhor estilo "perras latinas", com cds que tem capas horrorosas. Os quiteños adoram escutar essas músicas bem alto nos seus carros "tunados". Eles gostam de incrementar os carros, tem alguns que você nem consegue reconhecer o modelo de tão diferentes que ficam, colocam neón, aerofólio.... fica aquele negócio bem chique, sabe!
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A gastronomia é outro ponto forte (refinadíssima!). Em alguns povoados que passei eles assam um porco inteiro bem grande na calçada e vão vendendo por lascas (acompanha batata), e vão passando um pincelzinho banhado numa espécie de óleo pra dar aquela lustrada no porco, um bom marketing pros consumidores mais suscetíveis ao apelo visual. Existe um prato típico que comi que vem com mote (um milho gigante e pálido), frango frito, pipoca e banana, aliás tudo no Equador tem banana e ela é preparada de inúmeras maneiras, tem até umas no espetinho como se fosse churrasquinho vendida na rua. Definitivamente, é uma República de Bananas.
Mas o tradicional mesmo, excetuando-se estas iguarias populares comercializadas na rua, é a comida criolla equatoriana que mescla carne frita, milho, madioca e banana (outra vez). Este prato é mais tradicional na parte central do país, sendo que as outras regiões têm suas próprias comidas típicas. A comida criolla é realmente muito boa e vale sentar num restaurante pra comprovar, mas no dia a dia viajante, nunca deixo de comer as iguarias populares como porcos em lascas e bananas no espeto. Sou um gourmet da gatronomia paralela de rua.
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Igreja San Francisco - Quito
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Procissão até a Catedral de Quito
Procissão até a Catedral de Quito
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Falando em comércio informal de rua, tudo no Equador é informal, tudo é pirata, aqui ninguém dá um tostão pra EMI, pra Nike ou pra Microsoft. As ruas são verdadeiros mercados a céu aberto (no Perú e Bolívia também), mas no Equador existe uma peculiaridade: há lojas de dvd e cd formalmente estabelecidas, com letreiro, vendedores uniformizados, computadores, etc... mas é absolutamente tudo pirata o que tem pra vender.
Voltando ao tema gastronômico, no Equador eles chamam qualquer tipo de refrigerante de "cola", mesmo que seja Sprite ou Fanta, por exemplo. Em alguns restaurantes que estive você pede o prato do dia e vem acompanhado do refrigerante, daí a tia pergunta: "qué cola quieres mi amor?", você responde sua preferida e daí o procedimento é o seguinte (sem brincadeira): a tia abre a geladeira e tira uma garrafa de 3,5 litros de um refrigerante genérico equatoriano (equivalente aos Pitchulas e Dollys do Brasil) e serve seu copinho. Detalhe: a garrafa de tão grande parece um torpedo, tem 3,5 litros! só que está sempre pela metade e absolutamente sem gás!
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Num dos dias eu fiz um bate e volta até uma cidadezinha próxima a Quito chamada Latacunga, onde ia rolar uma festa de rua chamada "Mama Negra". É uma espécie de desfile tradicional com oferendas ao vulcão Cotopaxi, que fica perto da cidade. Foi uma das coisas mais bizarras que vi! Acompanhem a dinâmica do desfile: sempre no começo de cada bloco vem um cara (algo equivalente a um porta-estandarte do nosso carnaval) carregando nas costas um espeto gigante com um porco assado e em volta do porco várias galinhas. O desfile segue com vários personagens e a bandinha tocando uma espécie de marcha sem parar. As pessoas que assistem ficam nas calçadas segurando copos e os que passam desfilando vão enchendo os copinhos com umas cachaças cor-de-rosa e verde limão (desce que nem ácido). Tem também uns caras que passam com um caldeirão de sopa (é uma sopa grossa misturada com aguardente) e vai servindo os espectadores na boca com uma concha, só que todo mundo fica pulando junto e você vai babando toda a sopa na roupa. No fim do desfile você fica todo grudento, coisa linda! Tive que inutilizar a camiseta deste dia porque se eu juntasse com as outras no saco para roupas sujas iria ficar um cheiro forte e tudo grudando.
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De Quito fui pra Riobamba. Viajar de ônibus aqui é tão ou mais complicado que na Bolívia e no Perú. Durante o caminho o motorista pára várias vezes pra pegar gente na estrada ou em pequenas cidades. Acontece que estes passageiros entram informalmente porque descem antes de chegar na rodoviária e a grana fica com o condutor e o parceiro dele, que vai pendurado na porta gritando desesperadamente o destino do busão pra ver se arranja mais passageiros pelo caminho. Bom, acontece que o busão vai parando e perdendo tempo pra pegar os passageiros clandestinos, porém, ele tem que chegar na rodoviária na hora marcada pra empresa não desconfiar. Daí, depois que lotou o busão, com um monte de gente viajando em pé, o motorista toca o pau pra chegar na hora marcada, o cara faz malabarismo, ultrapassagens ariscas, tudo isso ao som do reggaeton no máximo volume.
Pernoitei em Riobamba, num hotel que estava por desabar. Toda a estrutura de madeira rangia, os quartos não tinham janela e o banho era frio. A cidade é meio desorganizada e sem atrativos, mas eu só estava ali para poder pegar um trem até a cidadezinha de Alausí que sairia na manhã seguinte. Até aí tudo normal se o trem não fosse de carga. Acontece que a carga viaja dentro e você vai no teto do trem, sério! Mas como para todas as suas necessidades sempre tem um vendedor ambulante por perto, eles vendem uma almofadinha a 1 dólar antes que as pessoas subam no teto do trem pra que você não chegue com o traseiro tão quadrado no destino. Também conta-se com um luxuoso serviço de bordo durante a viagem porque vários ambulantes sobem no teto do trem pra vender de tudo, empanadas, chocolates, banana chips, etc. Daí são 6 horas no teto, pelo menos a visão é panorâmica, e durante o trajeto deu pra avistar o vulcão Chimborazo, com o cume coberto de neve. Mais ou menos no meio do trajeto começou a chover, aliás, quase todo dia chove no Equador.
Servido de empanadas banhadas em óleo, segui viagem entre os vales verdes da cordilheira central e, mesmo molhado e quadrado, cheguei em Alausí recompensado pela minha primeira sessão de surf ferroviário.
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Ponto de saída do trem - Riobamba
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Viagem no trem
Viagem no trem
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Nativa acena para o trem
Nativa acena para o trem
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Vendedor no teto
Vendedor no teto
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Ponto final em Alausí
Ponto final em Alausí
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Indígenas na estação
Indígenas na estação
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De Alausí já puxei direto pra Cuenca, outra cidade bem interessante, muita história, casas coloniais em ruas estreitas. É a cidade equaoriana que concentra o melhor nível de vida, sendo habitada por muitas pessoas de classe média. Aqui estão as tradicionais fábricas de chapéu panamá, que apesar do nome são originais do Equador, mas acabaram levando o nome do Panamá por serem muito utilizados pelos trabalhadores que abriram o canal para se protegerem do sol forte. Você pode visitar a fábrica e ver toda a manufatura do chapéu e comprar um por preço que em outro país seria inimaginável. E olha, pelo menos isto é impossível ser pirata por aqui. Eu garanti o meu, e é coisa fina, viu!
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Cuenca
Cuenca
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Catedral Vieja
Catedral Vieja
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Porta da Catedral Vieja
Porta da Catedral Vieja
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Senhor cuencano
Senhor cuencano
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Fábrica de chapéus
Fábrica de chapéus
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Apesar de ser um país pequeno, o Equador concentra uma série de atrações interessantes e diversificadas. Eu por exemplo acabei não tendo mais tempo pra poder explorar a região da costa, a ilha de Galápagos e Otavalo, onde está o maior mercado indígena do continente. No entanto, a América do Sul, mesmo com algumas facilidades pra nós como distância e custos, é bem pouco visitada por brasileiros e, o fato de o Equador não fazer fronteira com o Brasil e de sabermos tão pouco sobre este pequeno grande país, ainda faz com que seja ainda menos conhecido por nós. Por outro lado, encontrei muitos outros mochileiros pelo caminho, geralmente europeus e norte-americanos que certamente não estão no Equador somente pra gastar sua moeda forte num país de custos baixos.
Amanhã rumo de volta ao Perú, agora pra percorrer todo o norte, descendo até Lima. Acompanhem o próximo e último boletim.
Saudações da estrada!
Márcio.-
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