Boletim 4: Nicarágua
Granada, 06 de Março de 2007
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Seguimos com o almanaque mambembe centro-americano 4ª edição:
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O calor em Choluteca, ainda em Honduras, perto da fronteira com a Nicarágua, era insoportável já as 7 da manha, quando fui pegar o ônibus que me levaria até a fronteira. Quando é dia de cruzar fronteira eu penteio o cabelo e visto minha melhor camiseta pra fazer uma moral com os guardinhas da imigração na aduana. Bom, a fronteira que eu ia cruzar não é a mais utilizada entre Honduras e Nicarágua, mas devido ao meu roteiro, era a melhor opção e já entraria perto da primeira cidade nicaraguense que ia estar. O ônibus que peguei em Choluteca me deixou na ultima cidadezinha hondurenha antes da fronteira, um faroeste total, algumas casinhas de um lado, algumas casinhas do outro e depois você olha pra um lado é nada, olha pro outro lado é nada também. Ao descer do ônibus já cola um monte de cambistas assustadores de bigodinho fino, disputando o único estrangeiro que havia ali: Vas a cambiar plata conmigo muchacho??? uhhhh!
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Rubén Darío
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Troquei uma pequena quantia, o suficiente para chegar ate a próxima cidade na Nicarágua e daí o problema era cruzar a fronteira. Mas como pra tudo que você precisa sempre tem um trabalhador informal disposto a te acudir, você monta numa bicicletinha estilo chinesa e o carinha te leva até a imigração hondurenha, pra pegar o carimbo de saída, depois atravessa a ponte que separa os dois países, te leva até a imigração da Nicarágua pra carimbar a entrada e depois ainda te deixa no lugar que saem os ônibus, é serviço completo. Detalhe que no início o cara diz que vai cobrar só uma propininha pela pedalada, depois quando você ta no meio da ponte, sem ninguém, o cara começa a aumentar o preço já cobrando em dólares. Mas vocês sabem que uma boa conversa brasileira, um ronaldiño pra cá, um ronaldiño pra lá, tudo se ajeita, e a corrida saiu por uma propininha e mais um chaveirinho do Brasil que eu dei pra ele. O cara ficou todo contente e ainda disse: olha, quando precisar estaremos aqui hein! Portanto, se alguém for cruzar esta fronteira eu indico o Ariel, da bicicletinha azul ok?
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Crianças em León
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Estátua ao guerrilheiro sandinista
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Procedimentos aduaneiros fronteiriços finalizados, montei no school bus até a cidade de León, já na Nicarágua. Entre a fronteira e León, a estrada passa por uma região rural, planícies quentes com vulcões ao fundo. E no ônibus só tem caboclo, nego entra de chapelão e sem um dente na boca. Ao meu lado sentou um sinhôzinho de uns 75 anos que já veio me dando uma geral do país. Sempre é bom conversar com os mais velhos porque eles tem uma visão mais completa da história do país, o problema é entender o espanhol esdrúxulo devido à ausência de dentes nestes simpáticos senhores. Aproveitando o gancho, vamos à uma geralzinha no pais: A Nicarágua tem este nome devido a derivação feita pelos espanhóis a partir da tribo Nicarao, que habitava a maior parte do território. O país sempre foi marcado por grandes divisões ideológicas e conflitos, por isso, vi nos Nicas (apelido pelo qual eles mesmos se denominam) um povo aguerrido e comprometido com seus ideais. Esta divisão já começou na época colonial, quando as duas principais cidades sempre se mostraram antagônicas. A primeira delas é León, com perfil liberal, contestador, revolucionário, antro de intelectuais, poetas e estudantes. Rubén Darío, um dos mais influentes e importantes escritores latino-americanos e o orgulho nacional da Nicarágua, era de León. Já Granada, é uma cidade de perfil conservador, muita presença do clero, de passado aristocrático devido ao acúmulo de riquezas por sua localização estratégica às margens do lago da Nicarágua, onde havia fácil comunicação com o mar do caribe através do rio San Juan. Aliás, a região de Granada sempre foi muito visada porque as primeiras tentativas de construção de um canal que ligasse os dois oceanos foi feita através do rio San Juan e o Lago de Nicarágua, e Granada encontra-se justamente no meio desta região. Devido a estas diferenças e muitos conflitos, a capital foi transferida de León para Manágua, que fica justamente entre as duas cidades.
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Catedral de La Asunción - León
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Leão guarda a Catedral
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Mausoléu dos Mártires da Revolução Sandinista
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Já no início do século XX, chega ao poder, com o apoio dos EUA, o ditador Anastacio Somoza, que dominaria o país numa dinastia de quatro décadas. Na retaguarda liberal, Augusto Sandino liderava forças contra o domínio conjunto dos EUA e de Somoza. Foi quando em 1934, Somoza assassina Sandino numa armação. Ele o convida para jantar, como se fosse negociar um acordo de paz e após o jantar, Sandino é fuzilado pela guarda nacional de Somoza.
Mas Somoza morre num assassinato cinematografico em 1956, quando o poeta e jornalista Rigoberto López Pérez se disfarça de garçon para entrar num jantar da cúpula do governo em León, e manda o Somoza pro inferno no meio do jantar com vários tiros. Rigoberto é capturado, morto e vira herói nacional. Assume o poder o filho do Somoza, e continua a ditadura, com repressão mais forte. Surge a FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), e o país entra em conflito pesado, sandinistas contra a guarda nacional Somozista, e com apoio popular a FSLN derruba Somoza em 1979. Depois, seguem-se anos de instabilidades, juntas provisórias de governo divididas entre moderados de Granada e radicais sandinistas, mas no fim assume o comando do país o sandinista Daniel Ortega. A partir daí, os EUA iniciam uma ofensiva de combate ao governo sandinista e começa a Guerra dos Contra, na qual os militares americanos usam parte do território hondurenho para poder invadir a Nicarágua. A guerra já se estendia até a metade dos anos 80 sem vencedores, quando o congresso americano então rejeita novo aporte militar pra continuar a guerra. Mesmo assim, o governo Reagan secretamente usa os fundos de vendas ilegais de armas ao Irã, para sustentar o exército americano. Dois anos depois o esquema é descoberto e a guerra termina em 1987, e os sandinistas seguem no poder até 1990, quando então são feitas novas eleições e ganha a moderada Violeta Chamorro. Depois, vários governos se alternam e os sandinistas não conseguem voltar ao poder, Ortega perde 3 eleições seguidas até que agora nas ultimas eleições consegue voltar ao poder e é o atual presidente, mas vi uma certa descrença nos nicas sobre o governo que acaba de começar.
Mas Somoza morre num assassinato cinematografico em 1956, quando o poeta e jornalista Rigoberto López Pérez se disfarça de garçon para entrar num jantar da cúpula do governo em León, e manda o Somoza pro inferno no meio do jantar com vários tiros. Rigoberto é capturado, morto e vira herói nacional. Assume o poder o filho do Somoza, e continua a ditadura, com repressão mais forte. Surge a FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), e o país entra em conflito pesado, sandinistas contra a guarda nacional Somozista, e com apoio popular a FSLN derruba Somoza em 1979. Depois, seguem-se anos de instabilidades, juntas provisórias de governo divididas entre moderados de Granada e radicais sandinistas, mas no fim assume o comando do país o sandinista Daniel Ortega. A partir daí, os EUA iniciam uma ofensiva de combate ao governo sandinista e começa a Guerra dos Contra, na qual os militares americanos usam parte do território hondurenho para poder invadir a Nicarágua. A guerra já se estendia até a metade dos anos 80 sem vencedores, quando o congresso americano então rejeita novo aporte militar pra continuar a guerra. Mesmo assim, o governo Reagan secretamente usa os fundos de vendas ilegais de armas ao Irã, para sustentar o exército americano. Dois anos depois o esquema é descoberto e a guerra termina em 1987, e os sandinistas seguem no poder até 1990, quando então são feitas novas eleições e ganha a moderada Violeta Chamorro. Depois, vários governos se alternam e os sandinistas não conseguem voltar ao poder, Ortega perde 3 eleições seguidas até que agora nas ultimas eleições consegue voltar ao poder e é o atual presidente, mas vi uma certa descrença nos nicas sobre o governo que acaba de começar.
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Sandino
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Casa onde viveu Rubén Darío
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Viajar por estas cidades é como reviver todo esse período de história. Em León vi os grandes murais com pinturas que representam as passagens da revolução, pude ir na casa onde viveu Rubén Darío, onde hoje há um museu sobre ele e na praça central a enorme catedral é guardada por duas estátua de leões.
No trajeto de Léon pra Granada, fui numa van tipo de cachorro quente e não tinha os famosos cobradores que fazem tudo, daí quem fica sentado mais próximo da porta é que coordena a entrada e saída. E era justamente eu que sentei ali e fui comandando o sobe e desce da viagem, abria a porta, dobrava o banquinho do corredor pro pessoal passar e ainda gritava "dále" pro motorista arrancar. Eu só não gritava o destino na porta porque também não estou prestando trabalhos voluntários para o sistema de transporte nicaraguense. Granada tem ruas estreitas, casas coloniais coloridas e seus habitantes são mais tranquilos e conservadores, ou seja, a rixa entre as duas cidades ainda continua. Detalhe que no albergue de León, fiz amizade com um uruguayo que está viajando de bicicleta, só que ele saiu do Uruguay há 3 anos!!! chegou aqui só no pedal e vai terminar no México, tá fraco esse ou não?
No trajeto de Léon pra Granada, fui numa van tipo de cachorro quente e não tinha os famosos cobradores que fazem tudo, daí quem fica sentado mais próximo da porta é que coordena a entrada e saída. E era justamente eu que sentei ali e fui comandando o sobe e desce da viagem, abria a porta, dobrava o banquinho do corredor pro pessoal passar e ainda gritava "dále" pro motorista arrancar. Eu só não gritava o destino na porta porque também não estou prestando trabalhos voluntários para o sistema de transporte nicaraguense. Granada tem ruas estreitas, casas coloniais coloridas e seus habitantes são mais tranquilos e conservadores, ou seja, a rixa entre as duas cidades ainda continua. Detalhe que no albergue de León, fiz amizade com um uruguayo que está viajando de bicicleta, só que ele saiu do Uruguay há 3 anos!!! chegou aqui só no pedal e vai terminar no México, tá fraco esse ou não?
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Catedral de Granada
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Arquitetura colonial granadina (esq.) e vendedores de frutas (dir.)
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Palácio Episcopal e Catedral de Granada
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Em relação à música, a Nicarágua é um país bem mais musical que os anteriores (exceto Cuba), e tive a sorte de assistir um show do compositor mais representativo aqui, Carlos Mejía Godoy.
Na gastronomia, a pedida é o tradicional gallopinto, que nada mais é que arroz e feijão preparados já juntos, é diferente porque o arroz fica mais escuro e não tem o caldo do feijão (acompanha alguma carne e tortillas). Os nicas são sempre muito gente fina, gostam de falar sobre o país, adoram um debate político e também são muito alegres, embora a Nicarágua seja o segundo país mais pobre das Américas, ganhando só do Haiti.
Na gastronomia, a pedida é o tradicional gallopinto, que nada mais é que arroz e feijão preparados já juntos, é diferente porque o arroz fica mais escuro e não tem o caldo do feijão (acompanha alguma carne e tortillas). Os nicas são sempre muito gente fina, gostam de falar sobre o país, adoram um debate político e também são muito alegres, embora a Nicarágua seja o segundo país mais pobre das Américas, ganhando só do Haiti.
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Tonel de rum "Flor de Caña" (esq.) e restaurante em Granada (dir.)
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Nativo em Granada
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Viva los nicas, adelante!
Até mais,
Até mais,
Márcio.-
Um comentário:
Ao ler este relato me lembrei do escritor e jornalista Eduardo Galeano. Segue algumas obras que talvez sejam interessantes para incentivar viagens pela América Latina e pela literatura: Los días siguientes (1963), Guatemala (1967), Los fantasmas del día del léon y otros relatos (1967), As veias abertas de América Latina (1971), Siete imágenes de Bolivia (1971), Crónicas latinoamericanas (1972), Días y noches de amor y de guerra (1978), Ventana sobre Sandino (1985), El descubrimiento de América que todavía no fue y otros escritos (1986),
América Latina para entenderte mejor (1990). Saudações geográficas.
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