Boletim 5: Costa Rica
San José, 11 de março de 2007
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Fiéis leitores,
Hoje chego ao quadragésimo oitavo dia de viagem e estou aqui na capital da Costa Rica, o penúltimo país da América Central. Seguindo então o rumo da expedição:
Hoje chego ao quadragésimo oitavo dia de viagem e estou aqui na capital da Costa Rica, o penúltimo país da América Central. Seguindo então o rumo da expedição:
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Deixei a cidade de Granada, na Nicarágua, em direção à Costa Rica. Nos dias de cruzar fronteira, a batalha começa cedo, e às 5 da manhã eu já estava no lugar que saem os ônibus, assim, poderia chegar ainda de dia ao destino final. Em pouco tempo o ônibus já alcança a fronteira e então começa o tramite. Pra sair da Nicarágua tranquilo, mas a entrada na Costa Rica está muito fiscalizada, justamente porque muitos nicaraguenses estão entrando ilegalmente pra conseguir trabalho no país vizinho, já que este está em melhores condições. Porém, se às vezes a minha cara de gringo atrapalha, desta vez ajudou muito porque na hora de revistar as bagagens eu fico sempre ao lado de alguns outros mochileiros europeus e acabo saindo ileso e sendo liberado na mesma leva dos meus colegas vikings (o único que deixa um pouco de desconfiança e a diferença de altura), enquanto que os demais são revistados em todos os mínimos bolsinhos de malas e mochilas. Eu também nunca fico com o passaporte na mão nestas horas porque o do Brasil é o único verdinho, facilmente reconhecível, o que me potencializa pra fila do pente fino. Outra manha é dar um "buenos días" com sotaque bem tosco, pra não ter duvida que sou um viking anão.
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Costa Rica
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Trâmites aduaneiros feitos e carimbo de entrada na Costa Rica estampado no passaporte, assim mesmo foi preciso esperar muito pelos nicaraguenses que estavam sendo postos de cabeça pra baixo pra cair ate o último objeto que carregavam. Daí a viagem seguiu e no meio do caminho eu desci no meio da estrada, perto da cidade de Libéria, porque de lá ia trocar de ônibus. De Libéria peguei outro ônibus pra Tamarindo, na Península de Nicoya, costa do Pacífico, só por estradas de terra, poeirada forte dentro do busão e um calor absurdo.
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Tamarindo
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No entanto, a recompensa veio quando encontrei o endereço do albergue e, quando entro, encontro uma piscina coberta, um luxo inacreditável! o primeiro albergue que vejo provido de piscina. Era um verdadeiro Spa Low Budget for Backpackers, tudo que eu precisava pra recuperar o cansaço e as costas moídas pelos bancos dos ônibus escolares e vans de cachorro quente apertadas que me levam pra todos os cantos da Mesoamérica. No entanto, depois percebi que o lugar não era lá tudo isso. O quarto ficava ao fundo e o teto era daquelas telhas de amianto naquele estilo Brasilit sabem? e isso fazia o lugar virar uma estufa. A noite era quente, e durante o dia simplesmente não dava pra entrar no nobre aposento. Até as roupas esquentavam e pareciam que estavam recém passadas. Pelo menos a toalha seca rapidinho, evitando o cheiro canino que as mesma costumam exalar após o uso constante e impossibilidade de troca. Podia-se dizer que o albergue não era dotado só de piscina, mas também de sauna, só que no quarto mesmo.
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Tamarindo
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Tamarindo
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Tamarindo é um lugar bacana, mas tem um porém. A Costa Rica está atraindo muitos turistas e vários já estão vindo pra ficar, na maioria americanos. Isto está desvirtuando um pouco o país, tanto nos costumes como na paisagem. Alguns já chamam a cidade de Tamagringo. Várias vezes eu entrei em lugares e já vieram falando inglês comigo, não importando de onde eu fosse, sendo que estava num país que fala espanhol. Com os estrangeiros controlando o comércio e os serviços, raramente você tem contato com o povo local, o que é bastante negativo. Já existem também vários resorts, hotéis grandes e a construção está forte. Meu roteiro para a Costa Rica já era curto, porque o país se destaca quase que totalmente pelo ecoturismo, tem vários parques nacionais pra quem gosta de ver planta e bichinho (pra mim já basta o globo repórter com esses temas mais ecológicos) e por isto não estive muitos dias no país.
A minha ida para a Península de Nicoya era mesmo pra dar uma pausa na correria da viagem e surfar por 2 dias ali, onde há boas ondas (outra fama do país, mas essa é boa). Direitas e esquerdas longas quebram na boca do rio e o surf com o pôr do sol ali é espetacular.
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Tamarindo
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Tamarindo
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A história da Costa Rica é mais simples e menos conturbada que a dos seus vizinhos centro-americanos. Isso se deve ao fato que desde o período colonial, esta região nunca teve muito peso em se tratando de rotas comercias importantes, e assim esteve longe das zonas de conflitos pela disputa de riquezas. Por isso, a economia estabeleceu-se baseada em cultivos de subsistência e quase não houve muita escravidão, o que permitiu o desenvolvimento de uma camada de classe média significativa. Sem ter muito pelo que lutar e afastado das zonas de conflito que afetavam os vizinhos, o país aboliu seu exército há muito tempo e também esteve livre de longas ditaduras. A Costa Rica tem uma história democrática bem mais sólida que os demais países da região. Oscar Arias, atual presidente que também já havia governado o país nos anos 80, é conhecido por ter recebido o Prêmio Nobel da Paz e pelos esforços de mediação de conflitos entre os países centro-americanos.
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Toda esta trajetória gera um pouco, mas nada exagerado, de sentimento de superioridade dos Ticos sobre seus vizinhos (Tico é o apelido pelo qual os costariquenhos se auto-denominam). Porém, mesmo com toda esta diferença histórica, o país ainda tem muita pobreza e mais de 20% da população está abaixo da linha de pobreza, embora ainda assim tenha os melhores níveis de padrão de vida na região.
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Devido à esta grande influência externa recente que o país vive, os ticos e ticas, principalmente os da capital, parecem estar mais interessados na aparência e no consumo do que em qualquer outra coisa. Por tudo isso, vi a Costa rica como o país menos autêntico da região e talvez a única parte de cultura pura e genuína que resta esteja na parte da costa do Caribe, principalmente em Puerto Limón e Talamanca. Estes lugares são habitados por negros que falam inglês, espanhol e dialetos creoles e o som ali é o calypso, a salsa e o reggae. Aliás, descobri um grupo de tiozinhos que tocam calypso que é sensacional, um achado! Eu nunca tinha escutado exatamente o autêntico calypso. O negócio é demais, percussão forte, banjo e um tipo de baixo de uma corda que faz a marcação. Infelizmente não pude estar por estes lugares da costa do Caribe da Costa Rica porque ficava muito fora de mão e ia tomar muito tempo. Aliás, a parte que me surpreendeu no país e que gostei muito foi a música, isso devido ao trabalho de alguns músicos que estão resgatando os ritmos tradicionais no corpo da música contemporânea.
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Grupo de Calypso em San José
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Bom, depois do descansinho em Tamarindo, já estava na hora de voltar pra poeira e seguir a rota. Peguei um ônibus pra capital, San José, e veio lotado de pedreiros, justamente os que estão construindo os resorts americanos em Tamarindo. Bastou 15 minutos de viagem pra já descobrirem que eu era do Brasil, aí começou a festa: ahh, y los carnavales? y las mujeres? y Ronaldiño?
Depois, o pedreiro que estava sentado do meu lado começou a fazer uma bateria de perguntas onde saíram várias pérolas. Ele olhou na janela e viu uma fazenda de gado, me vira e pergunta:
Pedreiro: -lá no Brasil também tem vaca?
Eu: -tem, bastante.
Pedreiro: -ahhh, e são iguais as daqui?
Eu: -sim, só muda o idioma.
(ele nao entendeu a piada e ficou pensando)
Depois a gente comentou que San José não era tão quente quanto Tamarindo e eu falei:
-sim, é porque San José é bem alto né? (detalhe: San José está a 1.500 metros sobre o nível do mar, e Tamarindo está no litoral)
e ele me manda essa:
-não!!! Tamarindo é mais alto!
E ele insistiu tanto que eu tive que concordar que a praia de Tamarindo é mais alta em relação a San José, aí ele sossegou.
Depois, o pedreiro que estava sentado do meu lado começou a fazer uma bateria de perguntas onde saíram várias pérolas. Ele olhou na janela e viu uma fazenda de gado, me vira e pergunta:
Pedreiro: -lá no Brasil também tem vaca?
Eu: -tem, bastante.
Pedreiro: -ahhh, e são iguais as daqui?
Eu: -sim, só muda o idioma.
(ele nao entendeu a piada e ficou pensando)
Depois a gente comentou que San José não era tão quente quanto Tamarindo e eu falei:
-sim, é porque San José é bem alto né? (detalhe: San José está a 1.500 metros sobre o nível do mar, e Tamarindo está no litoral)
e ele me manda essa:
-não!!! Tamarindo é mais alto!
E ele insistiu tanto que eu tive que concordar que a praia de Tamarindo é mais alta em relação a San José, aí ele sossegou.
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Depois de horas na companhia dos amigos pedreiros, cheguei a San José. A cidade é limpa, organizada e nada caótica como as outras capitais centro-americanas. Fiquei num albergue que foi uma babel incrível: três indianos, uma israelense, um mexicano, um alemão, um inglês, um filipino e eu. Fora que o lugar era administrado por colombianos. Um dos indianos era metido a gurú e saía lendo a mão de todo mundo.
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San José
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Mercado Central - San José
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Mercado Central
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Mercado Central
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Um bom lugar pra ir em San José é o mercado central, fundado em 1880. Frutas, verduras, carnes, roupas e bugigangas de todo tipo por lá e os donos das bancas gritando pra disputar a clientela.
No sábado e no domingo estava rolando um festival na maior praça da cidade. Ali, mendigos sorridentes, velhinhas sem dente e tiozinhos de sapato bicolor, bigodinho fino, camisa florida e cabelo lambido dividiam o espaço democraticamente e dançavam na maior descontração. Esses tiozinhos produzidos no melhor estilo latin lover salsero estavam arrepiando com as velhotas, requebradas incríveis cheias de estilo que me fizeram valer a tarde.
No sábado e no domingo estava rolando um festival na maior praça da cidade. Ali, mendigos sorridentes, velhinhas sem dente e tiozinhos de sapato bicolor, bigodinho fino, camisa florida e cabelo lambido dividiam o espaço democraticamente e dançavam na maior descontração. Esses tiozinhos produzidos no melhor estilo latin lover salsero estavam arrepiando com as velhotas, requebradas incríveis cheias de estilo que me fizeram valer a tarde.
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O Latin Lover
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Depois de 1 mês e meio por estes lugares, já se fazia necessário dar um tapa na peruca e tratar do asseio pessoal, por isso, fui cortar o cabelo e dar uma aparada da barba, que já estava quase natalina, justamente porque não acho nenhuma tomada compatível com meu barbeador e também não fui atrás de adaptador. Cortar o cabelo fora do Brasil é engraçado, eles ficam explicando todos os modelos de corte disponíveis e eu fico repetindo mil vezes que só quero que passe a máquina. Mas o capricho foi incrível, ficou um tempão aparando aqui, retocando ali. Eu nem vi direito como ficou atrás, mas rejeitei todos os modelos de acabamentos exóticos que me ofereceram pra nuca, com estilo pontudo, estilo garfo e vários outros que nem entendi.
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Salseando
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Bem, de cabelo cortado, barba aparada e um sorriso na cara, enfrento amanhã mais várias horas de viagem e mais uma fronteira. Que venha o Panamá!
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Até breve, saudações!
Márcio.-
Márcio.-
Um comentário:
A aproximação com os estadunidenses elimina a diversidade, a singularidade do local! Tranforma o espaço e as pessoas homogeneizando-os. Os espaços opacos dos outsiders continuam uma boa rota para se conhecer! Tomara que não desapareçam... Ainda sinto falta dos mapas!
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