quarta-feira, 20 de junho de 2007

Boletins de Viagem 2007: Mapa e Roteiro

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Mapa: viagem 2007
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Roteiro 2007:
São Paulo > Caracas > La Habana > Trinidad > Ciudad de Guatemala > Flores > Tikal > Cobán > Chichicastenango > Panajachel > San Pedro de la Laguna > Santiago Atitlán > Antígua > Copán Ruínas > Santa Rosa de Copán > Gracias > Tegucigalpa > Choluteca > León > Manágua > Granada > Libéria > Tamarindo > San José > Ciudad de Panamá > Cartagena de Índias > Medellín > Santa Fé de Antióquia > Bogotá > Cúcuta > San Cristóbal > Mérida > Barinas > Coro > Caracas > São Paulo.
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Saída: 30 de janeiro de 2007
Chegada: 10 de abril de 2007
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Todos os textos e fotos dos boletins por Márcio Guerreiro
(clique nas fotos para ampliar)
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Agradecimentos às pessoas que fizeram parte desta viagem:
a Zuly y Katy, por la buena onda en Panamá;
a Majo, por el mate, por las charlas en Colombia y por el aguante en Caracas;
a Consuelo, por la amabilidad en Cartagena de Índias;
a Fred, por los consejos sobre Guatemala;
a Sandra, por hacerme integrado en La Habana;
a Vívian, Joan, Sandrita, Joanma, Ulises y Ulises Jr., por la hospitalidad y amabilidad en La Habana;
a Dalila, por hacerme dar cuenta que el Diablo Tun Tun no me ofrecía daño, sino que alegría;
a Carmen, por la amabilidad en San José;
a Sílvio, por el tremendo aguante en el aeropuerto de Caracas;
a Raúl, por entender que los mochileros no tienen bolsillos que aguanten taxistas explotadores de viajeros indefensos;
a un vendedor de perros calientes en Venezuela, por dejarme deber algunos bolívares que no tenía (perdón por olvidar tu nombre);
a Horácio, Pipi Piazzolla, Nico, Muso, Martín, Mariano y Damián por la buena onda en Bogotá (lindo concierto, casualidad y joda!);
a Simone, Volmério, Katuta, Juliana e Shirley, pelo acolhimento brasileiro em Bogotá e pelos inúmeros debates geográficos;
to Rolf, my dear drunken denmarken viking;
to Bárbara, the easy laughing belgian girl;
to James, my australian roommate that knows everything about Latin América;
and to Terril, for the wine and for his hard fight at the international courts of human rights.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Boletim 1: Cuba



Boletim 1: Cuba



La Habana, 11 de fevereiro de 2007
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Saudações a todos!
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Aqui começo, ainda que com bastante atraso, o primeiro boletim da viagem. Depois de muito tempo que já ensaiava ir a Cuba, finalmente cheguei à ilha no dia 01 de fevereiro. A vontade maior era de entender melhor como funcionam as coisas por lá e tirar minhas próprias conclusões. Um sistema complexo e fechado por já quase meio século não resulta fácil de se entender. Bom, o problema e que não sei se saí do país com mais ou com menos dúvidas do que quando cheguei, mas enfim, comecemos pela parte mais suave...
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Capitólio Nacional - La Habana
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Já na noite em que cheguei, fui até Habana Vieja, a parte histórica e mais antiga da cidade. Entrei num bar chamado "La Dichosa", é um que tem umas grades horizontais e logo me lembrei que esse lugar aparece num filme, mas não me lembro qual. Quem puder me ajudar a lembrar me diga porque me faço esta pergunta até agora (aos mais desavisados: não é no Buena Vista ok?). Bom, no boteco estava rolando um conjuntinho tradicional tocando salsa e son, legitimamente cubanos, por supuesto! Eu estava lá experimentando a cerveja do país, chama-se Bucanero (essa é a mais forte) e também tem a Cristal (mas suave). Tudo na paz quando em dado momento me entra no boteco um negão alto e magricelo todo vestido de branco e começa a requebrar sozinho, com muita vontade. No pequeno espaço livre que restava do bar, o cara se contorcia na salsa e começou a plantar umas bananeiras! meteu o pezão pra cima e foi que foi (detalhe: o espaço tinha no máximo um metro quadrado e ele fazia tudo isso passando a chanca 44 a poucos centímetros do meu nariz), aí começou a juntar gente do lado de fora, ele dançou mais uma música, depois virou as costas e saiu andando, sem dizer uma palavra, ou seja, o cara fez aquilo por puro prazer, e saiu satisfeito, todo leve.
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Memorial José Martí (esq.) e rua de La Habana (dir.)
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Nos dias que seguiram, deu pra notar que o país está dividido em dois mundos paralelos. O primeiro dos turistas, com preços cotados em divisa, lugares específicos para consumir produtos e serviços. O outro mundo dos cubanos, com moeda nacional de valor muito baixo, escassez de produtos e condições bastante difíceis. Como o intuito era conhecer a realidade do mundo cubano ao invés de enxergar tudo por detrás da vitrine turística, eu então me encaixei na vida local. Começando pelo fato de ter ficado na casa de amigos cubanos ao invés de hotéis e depois, mesmo que ilegalmente, trocando divisas por moeda nacional, para poder comer, me transportar e ir a lugares que os estrangeiros não poderiam ter acesso. A parte de Habana Vieja é a mais interessante da cidade, a arquitetura antiga, embora muito deteriorada, ainda resiste. O problema é algumas coisas estão despencando e era meio arriscado andar na calçada embaixo das sacadinhas das casas (e todas as construções tem sacadinhas), de vez em quando dá pra escutar um tijolaço despencando.
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Músicos em La Habana
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Em Habana Vieja as ruas são ocupadas pelos cadillacs dos anos 50, que ainda resistem porque os cubanos aprenderam a ser bons mecânicos, senão estariam todos a pé. Aliás, há muita semelhança com o Brasil neste aspecto, assim como temos nosso "jeitinho brasileiro", lá tem-se o "la manera cubana", onde tudo se improvisa, todo mundo se vira de alguma forma pra sair do aperto. Também pelas ruas do centro dá pra ver as crianças jogando baisebol com tacos improvisados (o baisebol é o esporte mais popular em Cuba) e os adultos jogam dominó trazendo as mesas das suas casas pra calçada. O que é difícil entender é como pode ser absolutamente tudo do Estado em Cuba, desde fábricas até uma padaria, um bar, as casas e até os carros são estatais, obviamente que o carro é de uma só pessoa, mas pertence ao Estado e só pode ser revendido a ele, o mesmo ocorre com as casas. Por isso, acontece muitas vezes de casais se separarem e mesmo assim continuarem dividindo a casa, e também moram famílias numerosas numa só casa. A propaganda estatal é bem forte, com cartazes e outdoors reverenciando a revolução de 59 até hoje, muitas imagens de Martí, Fidel, Che e Camilo também se espalham pelo país. Conversei com cubanos a favor e outros contra o sistema, mas notei que ambos conservam uma certa admiração por Fidel, mesmo que com restrições (no caso dos que estão contra), e sempre se referem a ele por "el tipo" (o cara), não tocando em seu nome nunca.
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Catedral de La Habana
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La vieja cubana
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Pra comer, também se improvisa, já que o que o Estado socializa gratuitamente, nunca é suficiente até o final do mês, e pra comprar o restante fica difícil, tendo em vista que a média salarial gira em torno de equivalentes 12 dólares mensais!!! aí entra a informalidade, são famosas as pizzas que se vendem na rua e também as comidas em caixinha. Almocei desta forma por várias vezes, comprando a caixinha, sentando na calçada e mandando ver enquanto passavam alguns cubanos olhando assustados vendo um estrangeiro devorando a caixinha. E a comida é boa! arroz, feijão, carne, batata doce e por aí vai. O problema é que a caixinha não aguenta e o óleo começa a encharcar o papelãozinho. Já no caso da pizza, ela vem dobrada e envolvida num pedaço de papel sulfite e o queijo começa a escorrer pelos cantos queimando os dedos.
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La Bodeguita del Médio (esq.) e La Floridita (dir.)
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Apesar de todas as dificuldades, o povo cubano tem acesso à educação e à saúde. Não vi ninguém dormindo na rua ou mendigos pedindo esmolas. O problema é que não adianta formar engenheiros e médicos pra depois ganhar 12 dólares por mês! Outro ponto positivo é a segurança. A ilha é muito segura e pelo que pude entender, isso ocorre porque o tráfico de drogas ainda não é pesado aqui, e também é difícil se conseguir uma arma. O fato de ser ilha ajuda muito, e ainda mais com controle intensificado. Por exemplo: não haveria como roubar um carro, primeiro porque o carro é do Estado e quando fosse revendê-lo saberiam quem era o verdadeiro dono e depois, por ser uma ilha, não tem um Paraguay ao lado pra mandar os carros roubados e fazer os rolos.
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La Habana
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O pôr do sol no Malecón (a avenida beira-mar de La Habana) é um espetáculo à parte. É também no Malecón onde se concentra o ponto de encontro de todos os cubanos, que sentam-se sossegadamente na mureta que dá pro mar. Fui também a Trinidad, que fica na província de Santu Spirictus. É uma cidade colonial, com heranças da época de glória da produção açucareira, é a parte "guajira", mais do campo. A cidade é muito bonita, rola muita música cubana nas escadarias ao lado da igrejinha do centrinho, onde turistas dividem espaço com cubanos em situação de rara democracia por lá. E depois do grupo de música, entram uns grupos afro-cubanos e rolam alguns rituais, aí o santo baixa e o negócio vira zona! nego pisa e deita em caco de vidro, quebra garrafa na cabeça passa fogo no corpo...
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Igreja de La Santísima Trinidad - Trinidad
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Falando em música, Cuba é o lugar! Por todos os cantos você se depara com alguém tocando algum instrumento ou cantando, da trova ao chá chá chá... tudo é música lá. Perto de Trinidad, fui até uma praia chamada Ancón, ao melhor estilo caribenho, com coqueiros, areia branca e mar azul claro. Passei só algumas horas por lá pra conhecer a praia, pois o ambiente é extremamente estrangeiro, com senhoras européias e canadenses sempre acima do peso desfilando suas varizes pela praia e refrescando seus traseiros nas águas cálidas e mansas do caribe cubano. Em questão de tabaco, aqui também é o lugar! Fui na fábrica da Partagás, que produz todas as marcas cubanas e pude ver todo o processo da fabricação dos charutos, e dá-lhe fumaça pro alto!
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Trinidad
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Enquanto estive em La Habana, também rolou a feira do livro, que é muito popular e percorre todas as províncias do país.Já no último dia, fui agraciado pela tremenda sorte de ver o Pablo Milanés ao vivo! Não era um show exatamente dele, e sim do argentino Pedro Aznar, no qual o Pablo estava como convidado especial. Fechei com chave de ouro maciço!!!Tem muitas outras coisas de Cuba pra contar, mas um boletim não suporta tanta coisa e, em se tratando de Cuba, nem num livro cabe tamanha complexidade.
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Praia Ancón
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Praia Ancón
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Pedro Aznar e Pablo Milanés - La Habana
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Até o próximo boletim.
Saudações!
Márcio.-

Boletim 2: Guatemala



Boletim 2: Guatemala



Antígua, 22 de Fevereiro de 2007
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Seguimos então com nosso folhetim itinerante edição 2:
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Cheguei na Guatemala no dia 12 de fevereiro, e quando desembarquei no aeroporto da capital (Cidade da Guatemala), quem me deu as "boas-vindas" foi um "simpático" oficial da imigração que já me separou pra fazer uma entrevista. Daí vai o diálogo:
oficial: -de onde vem?
eu: -de Cuba (comecei bem!)
oficial: -qual seu país?
eu: -Brasil (piorou!)
oficial: -Ahhhhh, país de Ronaldiño!!!! mas o que vem fazer aqui?
eu: -conhecer o país (tive que descrever meu roteiro inteiro)
oficial: -aonde vai ficar?
eu: -o senhor tem um quartinho sobrando em casa? (não respondi isso, mas deu vontade, só pra tirar uma com a cara dele)
oficial: -você veio pra cruzar pro México e depois pular para os EUA não é?
eu: -não senhor!
oficial: -vai, pode falar, você quer ir pros EUA não quer?
eu: -não senhor!!
oficial: -tudo bem, mas que você quer você quer, anda, fala vai?
eu: -não senhor!!!
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Representações Mayas
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Depois de negar tudo até a morte, o cara me liberou, fui pegar a mochila na esteira e, no corredor de saída, chegou um guardinha, me parou e refez toda a bateria de perguntas: EUA? EUA? EUA? NÃO! NÃO! NÃO!
Depois dessa recepção digna de Chefe de Estado, fui notando que os guatemaltecos (não os que trabalham no aeroporto) são receptivos, gostam de ajudar, conversar e explicar sobre o país. Fiquei só um dia na capital, que é suja, feia e sem muita coisa de interesse. Aliás, estas são características comuns a todas as capitais centro-americanas, talvez com exceção da Cidade do Panamá. No entanto, o que interessa está sempre nas outras regiões destes países.
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Catedral Metropolitana - Cidade da Guatemala
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Uma geral sobre o país: Ouvimos pouca coisa sobre a Guatemala no Brasil, e por isso ignoramos tudo que há por aqui. A população indígena Maya é maioria, representando 60% dos habitantes e concentrando-se no interior e principalmente no altiplano. As quatro maiores etnias Mayas são os Quiché, os Mam, os Kekchí e os Kaqchiquel. Já os "ladinos", mistura de espanhóis e indígenas, representam o restante e concentram-se na capital. Há também uma pequena população de negros chamados Garífuna, que habita a costa caribenha. Estes negros se espalharam pela costa centro-americana fugindo de colônias britânicas nas Antilhas quando eram escravos, por isso, além do idioma garífuna, também falam inglês. No total, são falados 25 idiomas na Guatemala, sendo que 22 são indígenas, mais espanhol, garífuna e um pouco de inglês, justamente naquela região da costa caribenha.
A história de desigualdade é o mesmo filme de toda a América Latina. Uma pequena elite ladina controla o poder e a riqueza. Devido a estas diferenças, o país viveu sob uma guerra civil durante 36 anos e as vítimas dos confrontos entre militares de direita e guerrilheiros de esquerda foram quase todas Mayas, milhares de indígenas foram torturados e mortos pelas milícias de direita. Por outro lado, a Guatemala também é um país que recebeu o Prêmio Nobel por 2 vezes. Primeiro em 1967, Nobel de literatura para o escritor Miguel Ángel Astúrias, suas principais obras foram "El Señor Presidente", uma crítica ao extenso regime ditatorial e "Hombres de Maíz", sobre a Cultura Maya. Depois em 1992, Nobel da Paz para a líder indígena Rigoberta Menchú, pela defesa dos direitos humanos na Guatemala, que tantas vezes foram e ainda são desrespeitados por aqui.
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Flores
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Seguindo o roteiro: Na manhã seguinte fui pra Flores, uma cidade no norte do país que serve como base pra conhecer o maior sítio arqueológico Maya, que é Tikal. Durante as 9 horas de viagem, sentou um guatemalteco do meu lado com um tic nervoso de fazer um estalinho com a boca. Eu tive que aguentar isso por 9 horas e não tinha como escutar música pra abafar o barulho porque o meu mp3 queimou 2 dias antes de sair do Brasil. Está difícil viajar sem música!
Tikal é um lugar equivalente a Macchu Pichu, com as devidas diferenças porque aqui era uma região Maya, e não Inca. O sítio está embrenhado no meio de uma selva bem fechada e o que rola de mosquito não é brincadeira. Tomei uma mordida no dedo de um pernilongo gigante e preto, que estava mais pra uma mosca maya. Inchou e coçou por 4 dias. Mas a recompensa de Tikal vale o cachê: é um conjunto de pirâmides gigantes (as maiores com 58 mts de altura), e dá pra subir! quando se chega lá em cima, você sai da linha da mata e enxerga o cume das outras pirâmides saindo do meio das árvores. Além das pirâmides, têm vários outros templos, cada um com suas funções: alguns eram moradia da nobreza, outros eram pra observação astronômica, outros pra definir o calendário Maya e apontar equinócios e solstícios e outros para cerimônias, inclusive de sacrifício.
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Templo IV - Tikal
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Templo de Las Calaveras - Tikal
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Base de um Templo
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Uma coisa que demorou um pouco para eu me acostumar na Guatemala foi o dinheiro. As notas são tão gastas e sujas que precisavam ser mandadas pra laboratório pra fazer uma análise e descobrir o valor. Só as notas maiores, de 50 e 100 são mais legíveis porque circulam menos e por isso sujam menos. As notas de 20, 10 e 5 têm que ir pro Delbony para análise pra ter certeza do valor. Pra se ter uma idéia do quanto é desvalorizado o câmbio aqui, a nota de 100 equivale a US$ 13. O nome da moeda da Guatemala é Quetzal, que é o pássaro símbolo do país, hoje muito raro de se ver, o bicho está em extinção.
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Templo I - Tikal
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Templo II - Tikal
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De Flores rumei pra parte central do país, até a cidade de Cobán. Essa viagem vale um relato completo: pra começar, 2 horas de atraso pra sair, o motorista foi almoçar e não voltava (teve pendências com a ex-mulher, me confessou depois). O esquema de transporte aqui não difere tanto do esquema dos países andinos, então eu já estava preparado. Os ônibus aqui são aqueles iguais aos que o Kevin Arnold voltava da escola com o Paul e a Winnie, ou seja, aqueles ônibus escolares americanos amarelões dos anos 60, que depois que viraram sucata nos EUA, foram mandados pra cá. Mas os guatemaltecos deram uma arte final, e mesmo caindo aos pedaços, fica um show a pintura dos busões. Eles pintam de vermelho, amarelo, azul, verde, todas as cores no mesmo ônibus e as bagagens maiores no teto, e dentro vai fruta, galinha, verdura, tudo que os indígenas comercializam de uma cidade pra outra. Bom,voltando ao trajeto Flores - Cobán: nesta viagem não era um school bus, e sim um micro ônibus normal, que sai quase vazio e durante o trajeto o cobrador vai pendurado na porta berrando o nome dos destinos pra conseguir mais passageiros. Depois de meia hora o busão já está lotado, com gente em pé, entram uns indígenas todos suados, que trabalham no campo e o aroma dentro do veículo fica delicioso. Aí começa a rolar só idiomas indígenas e eu de atração turística pra eles, que ficam olhando espantados a esta coisa que está destoando ali. Alguns vencem a timidez e me perguntam quem eu sou, eu respondo que venho do Brasil e alguns balançam a cabeça sem saber o que é Brasil, perguntam de novo, e na terceira vez eu simplesmente digo que é um outro país, falo do futebol e um tijuco lá na frente grita: aahhhhhhhRonaldiño!!!!! Pois é, o Ronaldinho é mais famoso que o nosso país!
Bom, enquanto isso o motorista toca o pau pra compensar os atrasos por motivos conjugais que ele causou. O micro ônibus entrava rasgando nas curvinhas. A sorte era que o nosso amigo condutor tinha a manha! mandava bem mesmo e estava dirigindo aquilo como se fosse um carro, e além de tudo ele estava muito resfriado e era um cara multi-função no volante, ao mesmo tempo que dirigia, assoava o nariz numa toalha (era a mesma toalha que ele checou o óleo antes de sair), espirrava na janela, comia salgadinho, atendia celular, tomava água, remédio, cantava sucessos bregas da cumbia e do regueton e, depois de tudo isso, ainda dirigia com um estilo lindo, nas curvas ele jogava o corpo pro mesmo lado da virada e o dedinho mindinho ficava levantado do volante, muita moral hein!
Outro cara polivalente era o cobrador porque, além das funções normais de berrar o destino e cobrar a passagem, ele pega as bagagens, sobe a escadinha até o teto, amarra as coisas e desce. Detalhe: ele faz tudo isso com o busão andando!!! Na primeira vez que parou e ele foi pro teto, eu não tinha percebido, daí pensei: putz, o motorista esqueceu o cobrador na última parada!!! daí quando eu olho pra trás (eu estava no último banco), ele está pendurado na escadinha, do lado de fora, e dei de cara com ele, mas eu dentro e ele fora!! e o motorista esmirilhando, dedinho empinado e tombando o corpo pro lado da curva, vai que vai...
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Semuc Champey - Cobán
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Ponte sobre o rio Cahabón - Cobán
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Semuc Champey - Cobán
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Cheguei vivo a Cobán, o motivo de estar ali era conhecer Semuc Champey, um lugar que tem umas lagoas rasas em forma de degraus e com água cristalina, difícil descrever, mais pra frente vou tentar mandar fotos. E depois fui pra Lanquín, também ali perto, um lugar com umas cavernas gigantes, só que aí não saiu nenhuma foto. Depois eu peguei um school bus coloridão pra Chichicastenango, uma cidadezinha do altiplano, com costumes indígenas muito preservados e que, junto com Otavalo no Equador, tem o maior mercado indígena das Américas, que acontece aos domingos, justamente o dia que cheguei (os cálculos do roteiro funcionaram). Esse mercado é loucura total, um movimento de gente e mercadoria pra todo lado, é galinha, artesanato, fruta, verdura, tudo que você quiser. O mercado é montado na praça da cidade e, na escadaria igreja, os mayas fazem oferendas aos seus deuses, enchendo a escadaria de flores e queimando folhas numa latinha, rola um fumacê tremendo. Tirei fotos boas neste dia.
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Mercado indígena - Chichicastenango
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Oferendas na escadaria - Chichicastenango
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Almocei no mercado para comer o típico, geralmente frango, tortillas, abacate, feijão em pasta e um refresco, ou de tamarindo ou de uma fruta típica que acabo de esquecer o nome. Os refrescos ficam num balde gigante e as tias mergulham a mão no balde pra encher o copo, tudo muito higiênico! No meio da confusão, comprei um prato, sentei e vi que não tinha faca, daí eu fui pedir uma e os caras começaram a rachar o bico da minha cara, conclusão: não vem faca, o frangão vai na mão e o garfo de pau ajuda a empurrar o resto.
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O futuro Maya
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O passado Maya
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Um adendo sobre os School bus: é engraçado porque como são ônibus escolares, o encosto dos bancos chegam só até a metade das costas e o espaço pras pernas entre os bancos é mínimo, justamente porque eram crianças que o usavam originalmente (vide K. Arnold). Mesmo eu, que possuo uma estatura digamos mais compacta, fico espremido entre os bancos e com metade das costas sem encosto.
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School Bus
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Daí rumei pra Panajachel, uma cidadezinha na beira do lago Atitlán, novamente num school bus. Carinhosamente chamado de "Pana" pelos mayas, este povoado é um lugar todo zen, e por isso ficou um pouco internacionalizado. Dá pra encontrar de tudo alí: mochileiros sujos, mochileiros um pouco mais limpos (meu caso), hippies e grupos de aposentados europeus endinheirados sempre acima do peso, com camisas floridas e papetes de solado super-aderente. Mas todos convivem em harmonia e o fim de tarde no lago, com vista para os dois vulcões que fecham a moldura, faz a alegria dos nativos e dos estrangeiros.
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Lago Atitlán (esq.) e San Pedro de La Laguna (dir.)
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Existem alguns povoados menores nas outras margens do lago, com cultura mais intacta. Peguei um barquinho em Pana e fui pra Santiago de Atitlán e San Pedro de La Laguna. Na vila de Santiago rola uma cerimônia Maya que é uma piração. Ali os nativos cultivam o Deus Maximón, representado por um boneco, que cada semana é transferido de uma casa a outra. Eu já tinha lido sobre isso e desembarquei ali querendo encontrar o amigo “Maxi”, perguntei pra um mayazinho se ele sabia onde ele estava. O moleque me levou até uma casa. Chegando lá, vi uma fumaceira e ouvi uma gritaria de rezas através de uma janela coberta por um pano. Eu não podia estar ali e não conferir de perto, foi quando o moleque me colocou pra dentro, pedi licença pro chefão do negócio e eu já estava dentro. Putz, o boneco fica no meio da sala escura, com chapéu, umas fitas penduradas, um cigarro na boca, aguardente pro santo, velas no chão, gritaria, santo baixando, santo subindo, santo baixando de novo... Foi difícil fotografar ali, mas não podia deixar passar. Pedi permissão mas não rolava, depois de um tempinho e uma conversinha (Ronaldiño pra lá, Ronaldiño pra cá), até o Maximón pode ser corrompido, e deixei um trocado no pezinho dele, daí fotografei! e como já tinha aprendido um pouco de idioma Quiché no busão pra Cobán, ainda agradeci no idioma: Maltiox, Maximón!!!
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Maltiox Maximón!!!
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Depois dessa piração toda, termino o roteiro guatemalteco em Antígua, uma cidade colonial toda bacaninha, com umas construções muito bem preservadas. Antígua já foi a capital do país e durante a época colonial, chegou a ser a capital do controle espanhol desde Chiapas (México) até a Nicarágua. Porém, um terremoto detonou a cidade e então mudaram a capital do país pra Cidade da Guatemala. Hoje Antígua já está reconstruída, atraindo gente do mundo todo. Há muitos estrangeiros que chutam tudo pra trás na Europa e se instalam aqui. Um exemplo foi um alemão que conheci, dono de uma lojinha de charutos, trabalhou como engenheiro a vida toda, chutou o balde e se instalou em Antígua, e está feliz da vida! Muito estrangeiro também vem pra estudar espanhol aqui e alguns ladinos da capital vem pra passar o final de semana. A Guatemala é isso aí, muito bom mochilar aqui. Aguardem a edição 3 do Almanaque Centro-americano: Honduras, em breve.
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Catedral de Santiago - Antígua
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Praça central de Antígua (esq.) e School Bus (dir.)
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Arco de Santa Catalina - Antígua
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Mulher Maya (esq.) e casas coloniais de Antígua (dir.)
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Arco de Santa Catalina e vulcão - Antígua
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Saudações a todos!
Márcio.-

Boletim 3: Honduras



Boletim 3: Honduras
Choluteca, 28 de Fevereiro de 2007
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Caríssimos,
Estou firme aqui, até agora nenhuma coléra, diarréia nem nada, haha, e olha que cruzo cada gringo no caminho que já entrou no soro por aqui. Bem, seguimos com a descrição da arte mambembe de percorrer estas terras remotas centro-americanas:
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Estou em Choluteca, uma cidade terrivelmente quente, num cyber abafado, molhando o teclado com algumas gotas de suor que pingam do meu rosto. Hoje é meu último dia em Honduras, e será com pesar que deixo o país, queinicialmente julguei ser o menos interessante dentre os quais viajaria. Grande injustiça!
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Cruzando a fronteira entre Guatemala e Honduras
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Uma geralzinha sobre o país:
O nome do país significa algo equivalente a "profundezas", conforme batismo de Cristóvão Colombo, devido às águas fundas da região do desembarque em 1502. A resistência indígena contra os invasores espanhóis foi forte. Lempira, o líder da tribo Lenca, comandou os combates e chegou a mandar muito espanhol de volta pra casa. Anos mais tarde, ele foi assassinado numa emboscada onde seria feita uma conversa pacífica entre ele e os espanhóis.
Aliás, esse golpe foi parecido ao que Pizarro aplicou na captura do líder inca Atahualpa, em Cajamarca, no Perú. Porém, Lempira segue ainda hoje como herói nacional e seu nome também designa a moeda de Honduras.
Atualmente, 90% dos hondurenhos são mestiços e o restante se divide entre indígenas autóctones, brancos e garífunas (garífunas: vide boletim anterior). Após a independência, o país começou a sofrer forte influência dos EUA, que instalaram empresas para explorar a produção de frutas. A partir daí, os americanos passaram a controlar politicamente a região, conforme os interesses de suas empresas. Houve revoltas populares que eram sempre abafadas pelos EUA, que apoiavam os regimes ditatoriais, sempre coniventes aos seus interesses. Durante os anos 80, o país foi forçado a servir comobase para o exército americano na guerra dos Contra, quando os EUA combatiam o regime sandinista da vizinha Nicarágua. A influência americana acabou somente ao final da guerra, quando os EUA se retiraram do país. Atualmente, Honduras encontra-se sob influência brasileira, devido à minha presença.
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Copán
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Vista de Copán
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Cheguei no país vindo da Guatemala, cruzando a fronteira terrestre sem maiores problemas. A primeira cidade que conheci foi Copán, um pequeno vilarejo pacato, que fica próximo ao sítio arqueológico de Copán Ruínas, e que serve como base para visitá-lo. Na chegada fui trocar dólares por lempiras e, como o câmbio é bem desvalorizado, eu recebi tantas notas em troca que minha carteira não fechava. A carteira ficou na horizontal, não dobrava! daí tive que dividir a "fortuna" entre dois bolsos. Eu estava me sentindo o ganhador da mega-sena e quase pedi escolta pra sair do banco (detalhe: eu só troquei 50 dólares!). Então fui almoçar, cheguei num restaurantezinho que parecia o da dona Florinda, com aquele balcão que você levanta uma parte pra passar, sabem? Só faltava chegar o Jaiminho de bicicleta pra almoçar comigo. No dia seguinte fui pra Copán Ruínas. Este é um sítio arqueológico muito antigo, que data de 1.200 antes de Cristo, aproximadamente. Também é um sítio Maya, mas bem diferente de Tikal (vide boletim 2), pois ao invés de pirâmides gigantes, o forte é a escultura em pedra, com totens gigantes desenhados perfeitamente nas rochas. O interessante é que todo este complexo está interligado por túneis, e dá pra entrar neles. A perfeição da engenharia Maya é impressionante, todas as ligações subterrâneas permanecem e os túneis tem até sistema de ventilação e esgoto.
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Estela Maya - Copán Ruínas
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Pirâmide - Copán Ruínas
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Voltei pra Copán no final da tarde e na praça do vilarejo estava rolando uma festinha popular com um quarteto estilo mexicano. Eu colei nos mariachis porque já não aguento mais viajar sem música. Daí os caras viraram meu ipod, comecei a discotecar o grupo, pedindo músicas e todo mundo dando aqueles gritinhos típicos no meio das músicas: ÚI, ÚI !!! Depois de atender a 4 pedidos meus, o meu juke box mexicano queria passar a cobrar por cada escolha minha do cancioneiro mexicano, separei os quilos de moeda que vieram do banco e foi indo, cada fichinha no bolso era uma música, daí vai: ÚI, ÚI... Deu vontade de colocar os quatro mariachis na mochila pra não mais faltar música na viagem.
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Detalhe da Estela
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Depois de Copán, a maioria dos mochileiros desce pras Bay Islands, que são ilhas turísticas paradisíacas na costa de Honduras, para ficarem lá jogados por uma semana. Como eu não estou atrás deste sossego todo, não me dei ao luxo de tal privilégio e decidi fazer uma rota pelas montanhas, pra conhecer lugares mais intactos do país. Fui então pra outra cidade chamada Santa Rosa de Copán (tudo nesta província tem Copán no nome), sem dúvida a cidade com os habitantes mais simpáticos de toda América Central. É normal que em cidades pequenas as pessoas sejam mais próximas, se cumprimentem e conversem mais, isso a gente já sabe. Porém, em Sta. Rosa estava demais. Simplesmente todo mundo que cruzava meu caminho me cumprimentava com vontade, como se eu fosse alguém conhecido, até fiquei meio desconfiado com tanta simpatia. Parecia que a cidade tinha combinado: olha, vai chegar um carinha do Brasil aí, vamos tratá-lo como um filho.
Os caras são tão gente fina que uma hora eu estava tirando uma foto da igrejinha na praça central, veio um cara e disse: Não!!!!, não tira foto deste ângulo, vá até o outro lado da praça que a foto vai sair bem melhor, sem esses fios de eletricidade na frente. Tá bom! eu fui, e realmente a tomada foi bem melhor, sem fios, tomada wireless!
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Ônibus que me levou até Sta. Rosa de Copán (esq.) e Sta. Rosa de Copán (dir.)








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Até aí tudo bem, mas depois veio um tiozinho na calçada com um chapelão de palha na cabeça, parou e fez questão de apertar minha mão e ficou falando pra onde ele ia, daonde ele estava vindo, sem eu perguntar nada! o bicho estava doidão e nessas alturas a minha presença na cidade já repercutia, experimentei a fama por um dia aqui em Honduras, e não adiantava sair de óculos escuros pra não ser reconhecido.
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Igreja de Sta. Rosa de Copán
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Nativos vendo a tarde passar
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Depois fui pra Gracias, outra vilarejo de montanha. A estrada entre Sta. Rosa e Cracias corta as montanhas centrais de Honduras e haja freio pro ônibus escolar. Aliás, já estou todo retorcido de tanto andar nestes ônibus. Chegando em Gracias fui almoçar e a mulher que servia a mesa foi até a televisão trocar de canal e parou no Chaves! Almoçando nos cafundós de Honduras, assistindo Chaves foi algo impagável, e ainda na versão original em espanhol foi uma dádiva. Comecei a soltar umas risadas e o pessoal das outras mesas também estava se rachando. Chaves é um ícone cultural, tinha que ser declarado patrimônio da humanidade pela Unesco.
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Vista da cidade de Gracias
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Gracias tem um clima meio faroeste, ruas empoeiradas, meio terra de ninguém. Nego anda de chapelão branco na cabeça e com facão na cintura, porque trabalham no campo. O problema é que chega o fim da tarde, nego encosta no boteco e depois de entornar todas sai na rua bebaço girando o facão pensando que é He-Man, aí tem que mudar de calçada pra evitar o acidente. No hotelzinho que fiquei, o quarto dava pra rua, muito estranho. Eu entrei na recepção e quando pedi pra ver o quarto a mulher me levou pra fora do hotel, abriu uma porta na rua e disse: acá está mi amor, tu habitación.
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Gracias
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Falando em hotel, a América Central é muito estranha. Em alguns lugares (poucos) cheguei a ficar em albergues estilo internacional, limpos, com chuveiro quente e mochileiros de várias partes do mundo. Já em outros lugares (quase todos os outros) o esquema é o básico do básico. Você primeiro tem que perguntar se tem água, depois pergunta se tem água quente, mas quase nunca tem aquecimento. O problema foi nas cidades altas, onde faz frio de noite. Agora que já desci e estou neste forno, a sorte é quando tem água fria mesmo. Bom, fora uma baratinha aqui, uma aranhazinha ali que tem que matar antes de dormir, tem que fazer aquela inspeção básica antes de dormir. Depois a idéia era ir pra Tegucigalpa (capital) e ficar só um dia pra poder trocar de ônibus pra ir pra Nicarágua. No entanto, é difícil ter ônibus direto pra maioria dos lugares, então, comecei cedo. Cinco da manhã saí de Gracias e fui até La Esperanza para trocar de ônibus. Cheguei em Tegucigalpa e acabei ficando 15 minutos na cidade, de tão caótica que é, decidi já me enfiar num terceiro ônibus pra Choluteca, já perto da fronteira com a Nicarágua, cheguei às 5 da tarde. Neste último ônibus de Tegucigalpa a Choluteca, mais um motorista hilário. Em quase todos os ônibus rola música, o azar é que sempre é o brega do brega. Imaginem o que é viajar horas ao som de um Amado Batista hondurenho, sempre com músicas cornudas, ou então com o regueton explodindo na sua cabeça. Até já decorei alguns sucessos, por causa da repetição. Bom, mas neste ônibus estava rolando o mais puro regueton e o motorista tinha um retrovisor interno gigante no qual ele podia ver os passageiros e nós também o víamos. Então ele colocava os óculos escuros na testa, comandava o som e dava umas olhadinhas no retrovisor pras duas hodurenhas que estavam sentadas logo atrás dele e fazia umas caretas ousadas pra elas, muito maroto o nosso condutor. Ele dava umas dançadinhas, só na ginga com o ombro e nas risadinhas pras muchachas. O perfeito latin lover. Sem contar as inúmeras paradas onde entra gente pra vender de tudo. As vezes entram uns caras vendendo remédio caseiro, e ficam fazendo um discurso enorme pra contar os milagres das tais pastilhas. Haja.....
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Mulher tecendo
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Bom, posso dizer que Honduras me surpreendeu, principalmente pelo seu povo e pelos lugares que passei, lugares ainda distantes do que é o mundo atual. Amanha mais uma fronteira, que venha a Nicarágua!
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Saudações a todos!
Márcio.-